Jorge Lacão, no Prós e Contras, não teve unhas para dar a estocada retórica em Bacelar Gouveia quando este, num péssimo dia de raciocínio mas com ar de que todos os seus dias são assim, invocou o referendo de Timor Leste como prova da excelência democrática da figura do referendo na defesa dos direitos das minorias a (des)propósito do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em vez de se enrolar em lucubrações jurídicas e metendo a ONU à colação, Lacão despachava aquele resistente conservador lembrando-lhe o que decerto aconteceria se, em vez do referendo ter sido entre timorenses orientais, ele tivesse sido realizado, então, em toda a Indonésia (e, na altura, Timor Leste "pertencia" à Indonésia). Para a próxima, o governo deve mandar um político em vez de um jurista para este género de debates.
Ocorreu-me esse argumento durante o debate, mas sinceramente não me parece o mais indicado, e penso que Lacão saiu-se bem perante a verborreia do Dr. Bacelar.
Mas o elan dos conservadores homofóbicos não advem essencialmente de apostarem em que, por referendo, se manifeste maioritariamente a ancestralidade cultural e popular impregnada de preconceitos para com as minorias? Ou seja, uma aliança entre homofobias, a interiorizada e a disfarçada, abençoada pela Santa Madre Igreja?
Para comparar, experimente-se referendar a aplicação de castigos corporais às crianças mal comportadas. Ou o uso dos crucifixos nas escolas. Ou a legalização de imigrantes. Ou a eventual re-introdução da pena de morte para os crimes mais graves. É que, volta e meia, convem ouvir o Forum TSF. A democracia representativa por escolha democrática serve, sobretudo, para isso: não permitir que vanguardas ilumindas e tiranas governem em nome de todos e que pode ser contra todos; mediar os impulsos das decisões, culturalizando-os politicamente de forma a que não se pautem pelo justicialismo político de rua normalmente aferido na base do reaccionarismo civilizacional e em ajustes de contas de primeiro grau.
O exemplo do referendo de Timor Leste, alinhavado pelo Bacelar, foi estupidamente escolhido enquanto despropósito. Mas ele, e a sua artimanha, podia morrer logo ali, tendo, a meu ver, faltado o golpe de asa ao Lacão. Pois só seria similar ao caso em discussão se defendesse que o referendo fosse circunscrito aos homossexuais, decidindo eles, apenas eles, se queriam ou não a consagração do seu acesso ao casamento. Um absurdo, é claro.