O anti-espanholismo foi uma das heranças mais persistentes legadas pela ditadura à ideossincracia portuguesa. Salazar, incentivando uma retroactividade histórica de cariz nacionalista, colocando no centro da iconografia da celebração da “raça” e do regime, a par dos descobrimentos e do império colonial, as disputas da afirmação da soberania portuguesa face aos apetites anexionistas da coroa espanhola, e sendo a Espanha o único país nosso vizinho, incentivava a rivalidade, a desconfiança e a superação de velhos complexos de inferioridade por via projectiva de um rancor dirigido contra aqueles que se designavam, com uma carga mista de ironia e desprezo, como “nuestros hermanos”. Apesar de o rancor anti-espanhol ser um profundo paradoxo político pois, não só Salazar e Franco eram aliados e amigos, como as duas ditaduras peninsulares tinham intimidades profundas na ideologia, na colaboração das polícias políticas, na cultura de sacristia, no modelo social e inclusive ao nível da defesa (o célebre “Pacto Ibérico” era uma das alianças militares mais espantosas pois que foi celebrado entre dois países em que, para um deles - em consumo interno - o outro “aliado” era considerada vulgar e popularmente como a principal ameaça à sua soberania). No fundo, era um jogo político perverso que, impedindo o desenvolvimento da solidariedade peninsular não controlada, pouco mais adiantava que servir de pretexto mútuo para o caldo do chauvinismo e da xenofobia cultivado de um lado e outro da fronteira. E tinha a sua expressão mais visível na forte rivalidade desportiva, seguindo-se as anedotas em que um representante do outro povo fazia o papel do mais estúpido e incapaz. Além, é claro, da disseminação de uma relação normalmente complexada entre as gentes peninsulares, com um carrear permanente de preconceitos e lugares comuns pouco abonatórios (até ao nível do casamento e da sexualidade). O certo é que este anti-espanholismo existia e estava entranhado. Foi o regresso de ambos os países à democracia e sobretudo a adesão comum e simultânea à CEE que permitiu um salto importante na libertação deste atavismo retrógrado por parte de portugueses e espanhóis. E, neste aspecto, dois políticos, Mário Soares e Felipe Gonzalez, tiveram um papel decisivo na construção deste (re)encontro dos povos peninsulares e do atenuar dos preconceitos. Que, até hoje, não deixou de progredir tendo atingido um estado de agradável normalidade no convívio e na consideração.
Manuela Ferreira Leite, falando sobre o TGV e procurando pretextos, mesmo que miseráveis ao nível da política mais baixa, para diluir a sua responsabilidade enquanto governanta relativamente a despachos e acordos que celebrou sobre as ligações ferroviárias de alta velocidade, alguns deles fruto de negociações com representantes do Estado espanhol (evidentemente que todos os acordos são renegociáveis, o que é diferente de se rasgarem unilateralmente e de uma penada os compromissos mútuos assumidos, o que só se verifica entre governos com relações críticas e em conflito aberto), foi ao ponto de desenterrar mitos e complexos perante uma putativa intenção espanhola de nos tratar como uma sua “província”. Um(a) político(a) avalia-se sobretudo como lida com a ideossincracia do seu povo e das duas uma: ou puxa pela sua modernidade e cosmopolitismo ou esgravata nos preconceitos provincianos, serôdios e enterrados. MFL recorreu ao impensável porque grotesco e estúpido, demonstrando nada a tolher no ódio aos adversários políticos. Como se fosse possível esquecer que, antes de em Portugal e em Espanha governarem socialistas, não há muito tempo atrás governaram em ambos os países os irmãos partidários do PP e do PSD de que a memória política lembra como tão bem se entenderam Barroso e Aznar. Felizmente, lendo-se as referências ao “incidente” na imprensa espanhola e respectivos comentários, encontramos elegância e relativização para com o “excesso” de MFL. Entre nós, infelizmente, só se pariram registos mornos, faltando uma reprimenda forte, colectiva e pública perante este desenterrar de fantasmas perigosos e retrógrados que bem custaram a embalsamar. Tudo devia ter os seus limites, até a chicana partidária mais rasteira.
De acuerdo en todo, sr.Tunes.
Solo añadir que los comentarios de esta señora han sido acogidos por aquí con bastante indiferencia. Todo ese discursos nacionalista suena a caduco.
Saludos
Daniel
A senhora é intectualmente primária, politicamente secundária e civilizacionalmente terciária. Afinal ela só fez o favor de aceitar o lugar de presidente do PSD para unir o partido - nem se lembou que seria arrastada para "arruaças", espectáculos televisivos e outras perversidades do mundo moderno. Se ao menos fosse Primeira Ministra, era inimputável, mas na Oposição não tem jeito. Até nisto se parece com Cavaco.
Concordo. Parece-se e muito. Demais.
De Jorge Conceição a 15 de Setembro de 2009
E no entanto uma maioria de portugueses pô-lo lá... Com tais semelhanças terão esses portugueses uma recaída?
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