
Apesar do atraso (quase três anos) nesta edição portuguesa, o livro do historiador e professor Jean-François Soulet sobre os países europeus que viveram o “socialismo real” e dele se libertaram (*) (**) é uma peça fundamental para o entendimento desta Europa alargada, uma peça que faltava na literatura histórica contemporânea disponível. O que só pode merecer a saudação mais viva.
Durante décadas, desde o final da Segunda Guerra Mundial até ao fragor da queda do Muro de Berlim, não só em Portugal mas igualmente nas democracias europeias viveu-se de costas voltadas para a imensidão de estados e povos, igualmente europeus, que se situavam além da “cortina de ferro”. Tirando dois breves sobressaltos, em 1956 e em 1968 com as invasões da Hungria e da Checoslováquia pelos tanques soviéticos, a divisão em esferas de influência da Europa parecia uma fatalidade irreversível, uma espécie de risco ideológico estava traçado a meio da Europa, atrás do qual havia sociedades destinadas a um dos modelos em competição, a que dividia não apenas a Europa mas todo o mundo da “guerra fria”. Inclusive o intercâmbio de pessoas dos dois lados, exceptuando os movimentos das “missões oficiais” e as “excursões partidárias”, era praticamente inexistente. O jogo de equilíbrios que impedia a hecatombe nuclear cromava aquela cortina de ferro entre povos e nações que parecia destinada a nunca enferrujar. Hoje, com a maior parte das ex-“democracias populares” libertas da tirania comunista e integradas na União Europeia (e na NATO), o anterior divórcio não tem qualquer fundamento e quando existe, ainda existindo, é parte de um défice cultural e uma amputação do espírito europeu. Na resolução deste hiato este livro é um contributo de valor inestimável.
Livre de preconceitos e com rigor histórico, o livro de Jean-François Soulet divide-se em duas partes: a primeira explica e documenta como este conjunto de países, analisando cada um por si, caíram na órbita soviética e como aí se mantiveram, cada qual com as suas particularidades dos “comunismos nacionais”; a segunda analisa as evoluções pós-comunismo até um passado muito recente, incluindo as transfigurações e nostalgias com que mudaram de sistema, iludindo-se e desiludindo-se, até se abrigarem na UE. Ler este livro completa-nos enquanto europeus, os europeus de uma Europa feita de muitos povos, muitos dramas e traumas. E talvez seja, entre as edições recentes na especialidade, de divulgação histórico-política, o mais oportuno enquanto necessário. A justificar até o sofrimento pelos tratos de polé que a sua tradução e revisão (***) nos sujeitam, tão miseráveis elas são.
(*) O autor aborda os seguintes países: Polónia, Jugoslávia, Lituânia, Estónia, Letónia, Hungria, Checoslováquia, Albânia, Roménia, Bulgária e RDA.
(**) – “História da Europa de Leste”, Jean-François Soulet, Edições Teorema.
(***) - Tradução e revisão da autoria do mesmo sujeito que de tão incompetente merece que se lhe cite o nome, Manuel Ruas.