O “caso Luísa Mesquita”, na forma como o vejo abordado por paladinos legalistas da “palavra dada e assinada”, espanta pelo seu desplante cínico (como exemplos, leia-se aqui e aqui; no primeiro caso com a estulta insinuação malévola de “oportunismo”, no último caso com um acrescento de cinismo assado no forno numa outra peça que foi adicionada).
De facto, a senhora deputada assinou um compromisso de ceder ao seu partido (traduza-se: à sua direcção) a gestão política do seu assento parlamentar. E, evidentemente, os contratos são para respeitar. Como é verdade que, até à bronca, a senhora deputada foi uma exaltada intérprete da linha de protesto radical, ilimitado e integralista do partido que a tinha seleccionado para se candidatar às lides parlamentares. E as fidelidades muito acentuadas permitem a extrapolação de que, quando se extrema a fidelidade, não há margem para queixas na gestão violenta do jogo de fidelidades, mesmo quando ela acaba num autoritário pontapé no rabo.
Mas um contrato, qualquer contrato, para ser válido e respeitável, tem de ser voluntário e assinado e usado com boa fé por ambas as partes. E um abuso, que mais não seja pela sua utilização discricionária, no uso do contrato, torna-o, moral e eticamente, nulo. A “falta de confiança política” ou a “desconfiança política”, desde que fundamentadas, são boas razões para declarar a nulidade deste tipo de contrato. Mas não há legalidade (para não falar de lealdade), mesmo que mínima, que suporte um despedimento sem a condição mínima de se informar o despedido sobre a causa. Pior, como foi o caso, ao invocarem-se razões abstractas (a “renovação”) acompanhadas de elogios à prestação político-parlamentar e ao rigor interpretativo na tradução da “linha do partido”. [copiado, a papel químico, do despejo de Carlos Sousa da presidência da Câmara de Setúbal] Muito pior, quando se reage à rebeldia com “penas” de transferências disciplinares em lugares nas Comissões Parlamentares. Nestas condições, obviamente que o contrato de fidelidade e disponibilidade que Luísa Mesquita assinou com o PCP, quando da sua candidatura, caducou de validade. Assim, invocá-lo, como fizeram os dois ilustres bloguistas atrás referidos, é um excesso de papismo.
Restam ainda os eleitores. É difícil garantir que o PCP ganhou a Câmara de Setúbal e que em Santarém elegeu um deputado, por mérito acrescentado, respectivamente, de Carlos Sousa e de Luísa Mesquita. E até se pode imaginar que os resultados seriam conseguidos quaisquer que fossem os candidatos, desde que se atribua aos eleitores de Setúbal e de Santarém que as suas fidelidades ao PCP são consistentes, indefectíveis e impessoais. Terão, lá no íntimo das suas convicções políticas e partidárias, feito um “contrato” vitalício de votarem PCP apenas por fidelidade à sua direcção. Mas então, siga-se a receita que Raimundo Narciso alvitra: “os deputados a apresentarem-se sempre, não digo de burka mas de cara tapada e uma tabuleta ao peito com a identificação deputado 1, deputado 2... Assim quando o partido, e muito bem, quiser mudar muda. Muda só o que está por baixo da tabuleta e acaba-se a escandaleira.”
OS MEUS BLOGS ANTERIORES:
Bota Acima (no blogger.br) (Setembro 2003 / Fevereiro 2004) - já web-apagado pelo servidor.
Bota Acima (Fevereiro 2004 a Novembro 2004)
Água Lisa 1 (Setembro 2004 a Fevereiro 2005)
Água Lisa 2 (Fevereiro 2005 a Junho 2005)
Água Lisa 3 (Junho 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 4 (Outubro 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 5 (Dezembro 2005 a Março 2006)