Sexta-feira, 24 de Novembro de 2006

HÁ DEFESA PARA CONTRATOS USADOS COM MÁ FÉ?

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O “caso Luísa Mesquita”, na forma como o vejo abordado por paladinos legalistas da “palavra dada e assinada”, espanta pelo seu desplante cínico (como exemplos, leia-se aqui e aqui; no primeiro caso com a estulta insinuação malévola de “oportunismo”, no último caso com um acrescento de cinismo assado no forno numa outra peça que foi adicionada).

 

De facto, a senhora deputada assinou um compromisso de ceder ao seu partido (traduza-se: à sua direcção) a gestão política do seu assento parlamentar. E, evidentemente, os contratos são para respeitar. Como é verdade que, até à bronca, a senhora deputada foi uma exaltada intérprete da linha de protesto radical, ilimitado e integralista do partido que a tinha seleccionado para se candidatar às lides parlamentares. E as fidelidades muito acentuadas permitem a extrapolação de que, quando se extrema a fidelidade, não há margem para queixas na gestão violenta do jogo de fidelidades, mesmo quando ela acaba num autoritário pontapé no rabo.

 

Mas um contrato, qualquer contrato, para ser válido e respeitável, tem de ser voluntário e assinado e usado com boa fé por ambas as partes. E um abuso, que mais não seja pela sua utilização discricionária, no uso do contrato, torna-o, moral e eticamente, nulo. A “falta de confiança política” ou a “desconfiança política”, desde que fundamentadas, são boas razões para declarar a nulidade deste tipo de contrato. Mas não há legalidade (para não falar de lealdade), mesmo que mínima, que suporte um despedimento sem a condição mínima de se informar o despedido sobre a causa. Pior, como foi o caso, ao invocarem-se razões abstractas (a “renovação”) acompanhadas de elogios à prestação político-parlamentar e ao rigor interpretativo na tradução da “linha do partido”. [copiado, a papel químico, do despejo de Carlos Sousa da presidência da Câmara de Setúbal] Muito pior, quando se reage à rebeldia com “penas” de transferências disciplinares em lugares nas Comissões Parlamentares. Nestas condições, obviamente que o contrato de fidelidade e disponibilidade que Luísa Mesquita assinou com o PCP, quando da sua candidatura, caducou de validade. Assim, invocá-lo, como fizeram os dois ilustres bloguistas atrás referidos, é um excesso de papismo.

 

Restam ainda os eleitores. É difícil garantir que o PCP ganhou a Câmara de Setúbal e que em Santarém elegeu um deputado, por mérito acrescentado, respectivamente, de Carlos Sousa e de Luísa Mesquita. E até se pode imaginar que os resultados seriam conseguidos quaisquer que fossem os candidatos, desde que se atribua aos eleitores de Setúbal e de Santarém que as suas fidelidades ao PCP são consistentes, indefectíveis e impessoais. Terão, lá no íntimo das suas convicções políticas e partidárias, feito um “contrato” vitalício de votarem PCP apenas por fidelidade à sua direcção. Mas então, siga-se a receita que Raimundo Narciso alvitra: os deputados a apresentarem-se sempre, não digo de burka mas de cara tapada e uma tabuleta ao peito com a identificação deputado 1, deputado 2... Assim quando o partido, e muito bem, quiser mudar muda. Muda só o que está por baixo da tabuleta e acaba-se a escandaleira.”

Publicado por João Tunes às 14:50
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8 comentários:
De cristina a 24 de Novembro de 2006
há coincidencias incríveis....acabo de escrever sobre o masmo assunto, citando o mesmo post.

e juro que não tinha visto este

olhe..., ainda bem que estamos de acordo..
De João Tunes a 24 de Novembro de 2006
Quem bem se quer cai facilmente na telepatia. Está nos livros do amor e da amizade.
De cristina a 24 de Novembro de 2006
tá, né?

beijinho
De Anonimo Bruno a 26 de Novembro de 2006
Contracto?... Desculpe a pergunta, mas o que é um contracto? Se me puder esclarecer agradeço o favor
Ass.: Bruno José Bento Pires, estudante do secundário em Alcanena


De Noémia a 26 de Novembro de 2006
Independentemente da minha concordância com o artigo, acho que vale a pena uma correcçãozinha ao português (que convém escrever sempre bem, e sobretudo quando se publica):
contracto - que sofreu contracção; contraído;
contrato - acto ou efeito de contratar;
De Paulo Santiago a 26 de Novembro de 2006
Onde raio viram os"puristas"da linguagem a palavra
contracto?
Li e reli e,só encontrei a palavra contrato.Será que os
meus óculos retiram letras dos textos?
De João Tunes a 26 de Novembro de 2006
Não, Paulo, os vigilantes tinham razão. Eu que já procedi às competentes emendas no texto. Agradeço os contributos, dos vigilantes e o teu. Abraço.
De João Duarte a 3 de Dezembro de 2006
Mas alguém me quer convencer que os eleitores do distrito da Guarda (de onde sou eleitor) conhecem, na sua grande (esmagadora) maioria, os deputados eleitos ou sequer os candidatos?
Claro que não...
Nunca, mas nunca, ouvi ninguém, dizer que ia votar no Pina Moura ou no Miguel Frasquilho (candidatos do PS e PSD pela Guarda).
As pessoas votam em partidos...
Custa a aceitar, mas é a realidade
Não direi o mesmo para as autárquicas, mas para as legislativas , não tenho qualquer dúvida.
Aliás, muitos também dizem que iam votar no Sócrates (quando apenas os eleitores de Castelo Branco, onde ele é candidato o podiam fazer). Ao dizerem que iam votar no Sócrates, queriam dizer que iam votar no PS.
O problema é outro: como a Luísa Mesquita é (ou foi ) do PCP, toca a aproveitar que está aí mais uma dissidente e uma "renovadora".

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