Sexta-feira, 17 de Novembro de 2006

SOTTOMAYOR E OS MENORES

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Perdeu-se uma das vozes mais inconformistas e polémicas do campo socialista português. Inteligente, culto, truculento, bombástico, rebelde, Sottomayor Cardia deu, para o bem e para o mal (a avaliação da sua prática como ministro da Educação, é altamente controversa em termos de balanço entre o projecto, o pragmatismo e o bom senso), um sinal inconformista peculiar na forma de fazer política e ser-se socialista. Um autêntico socialista indomado pela sua natureza indomável de fazer a política. Sempre egocêntrica, sempre frontal e acutilante. No fundo, aquilo que sempre foi: um narcisista profundamente socialista. E como interveio sempre de forma brilhante, mesmo quando estapafúrdia, Sottomayor Cardia resta-nos como património exemplar do nosso estar político mais activo e mais sincero.

 

Sottomayor Cardia chegou à democracia com um passado de lutador a toda a prova e foi um exemplo vivo, pela repressão e maus tratos a que foi sujeito, da imagem da natureza negra da ditadura. A imagem que mostra o Salazar real, não o dos contos de embalar incautos e desmemoriados por ignorância ou conveniência.

 

Hoje, ouvindo noticiários e lendo notas evocativas, fiquei espantado por, na maioria das homenagens, se dizer dele que foi o fundador do PS que foi, o parlamentar e ministro que foi, o lutador contra o fascismo que foi (em que lhe calhou ser barbaramente torturado pela PIDE), e, na maior parte dos casos, planar a versão que Sottomayor Cardia nasceu, cresceu e morreu como militante socialista. É que, na maior parte das versões evocativas que li e ouvi, esqueceu-se o facto impressivo que, até o início da década de 70, Sottomayor Cardia foi um empenhado militante do PCP (de onde saiu, em divergência política frontal, com um estrondoso bater de porta), e essa fase militante é relevante para explicar a forma assanhada e brutal como Salazar e a PIDE o trataram. Como se esquece que, por desencanto com os últimos rumos socialistas, Cardia se havia ostensivamente afastado do PS nos últimos anos da sua vida.

 

A pior homenagem que Sottomayor Cardia merecia era esta de lhe “comporem” a biografia à Iejov, só conveniente para os hagiógrafos socialistas e os estalinistas, em convergência de interesses para que não se conheça todos os sítios por onde ele andou e bateu com portas e janelas (chegando ao ponto ímpio maior de se bater com Cunhal e contra Cunhal, numa altura a que poucos se atreviam a tanto sem sairem do campo do antifascismo). Relativamente a uns e outros, Sottomayor Cardia viveu, lutou e morreu, melhor que eles, a maioria dos que agora assinam homenagens. Foi truculento, insuportável por vezes, brilhante sempre. Indomado e indomável. Um homem da luta e que dava luta. Perdemos um lutador, perdemos Sottomayor Cardia. E o socialismo português, sempre pobre, ficou mais pobre.

Publicado por João Tunes às 22:59
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1 comentário:
De RN a 18 de Novembro de 2006
Enquanto congeminava um post sobre o Homem resolvi dar um passeio pelos jardins da WEB. Chegado aqui desisti da prosa. Assino por baixo.

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