O Encontro Internacional de Partidos Comunistas que recentemente teve lugar em Lisboa, organizado pelo PCP, se teve a finalidade doméstica de demonstrar projecção e prestígio internacional do partido organizador, não deixou de ser interessante a vários níveis:
- Demonstrou a forma insignificante e grupuscular em que se pulverizou o movimento comunista internacional. Lendo-se a lista das presenças, constata-se que, além de partidos em poder único [Cuba, Vietname e Laos (*)], a grande maioria dos participantes representam pequenas seitas com reduzida expressão eleitoral e com influências social e política diminutas. A par desta natureza de grupúsculo que é da essência da maioria das organizações participantes, em muitos casos duplicam-se e triplicam-se as organizações comunistas nacionais, o que demonstra a dinâmica cisionista e de multiplicação de rivalidades ideológicas domésticas, que é também própria da vida, multiplicação e morte das organizações sectárias. Foram os casos das representações comunistas de Brasil, Dinamarca, Espanha, Grã Bretanha, Índia, Itália, México, Peru, Rússia, Síria, Turquia e Ucrânia. Ainda o facto de o Encontro ter decorrido “à porta fechada”, com excepção do discurso protocolar na cerimónia de abertura por Jerónimo de Sousa, será indicador da dificuldade e delicadeza de gerir as dissenções e rivalidades inter-seitas.
- Sobre a situação internacional, o comunicado final, além da reprodução dos chavões habituais sobre o capitalismo, o imperialismo e a globalização, o repúdio da UE e da NATO, dos Estados Unidos e de Israel, os focos de luta apontados como principais e de radicalização do conflito capitalismo/socialismo, foram o Médio Oriente (apoiando-se o radicalismo islâmico no seu conflito com o Ocidente) e a América Latina (contando-se com uma grande esperança revolucionária no tripé Cuba-Venezuela-Bolívia). Ou seja, uma deslocação da velha esperança revolucionária e de construção do socialismo e do comunismo da classe operária e das sociedades desenvolvidas para as massas conduzidas pelo populismo, sejam as dirigidas pelos tallibans e os outros fundamentalistas muçulmanos ou pelo caudilhismo populista latino-americano, agora com a matriz chavista (mais o seu petróleo, evidentemente). De onde se conclui que, se o marxismo-leninismo ainda existe (existirá? é que os documentos oficiais do Encontro não lhe fazem uma única referência…) para os seus persistentes herdeiros, ele não só não está nada bem de saúde como em nada se recomenda, reduzido como está a uma amálgama residual de conglomerado de ressentimentos radicais e sem escrúpulos quanto a princípios, numa forma mórbida de reagir ao tremendo esfarelar do mundo comunista que implodiu em 1989-91.
- Confirma-se, na radicalidade grupuscular dos partidos reunidos, a apetência exaltante palas crises, pelas guerras “justas”, pelos conflitos e rupturas sociais e políticas, pelas contradições, negando o mundo dos nossos dias, não contribuindo rigorosamente nada para o avanço das sociedades, a melhoria da vida dos povos e diminuição dos fossos entre povos e camadas sociais, consolidação e aperfeiçoamento da democracia e da intervenção democrática, defesa e alargamento das liberdades individuais e colectivas (a não ser quando estão em causa as práticas radicais de grupos revolucionários). Ou seja, enquanto e onde exista capitalismo, a democracia e as liberdades que interessam são exclusivamente as que levam à luta sem quartel até à desintegração social e política e onde o socialismo chegou ao poder, a democracia e as liberdades passam a ser assuntos de contra-revolucionários e, assim, casos de polícia.
- O PCP revela com a maior claridade a sua duplicidade política na exibição da sua face internacionalista. Para consumo interno, defende a democracia e as liberdades, explora até à saciedade a memória do seu martirológio na luta contra o fascismo, cola-se aos movimentos sociais de descontentamento, agitando-os e organizando-os, explora com afinco as desigualdades, as injustiças e as iniquidades, joga o eleitoralismo, ostenta uma solenidade parlamentarista, afirma-se paladino da democracia avançada, faz o papel de cordeiro democrático exemplar, exigente e intransigente. No plano internacional, apoia ditaduras execráveis, aberrantes e paranóicas, apoia a revolução, a luta armada e a repressão, despreza a democracia e as liberdades, interdita a evolução e harmonização humana e social, em favor do confronto revolucionário, seja qual for o preço a pagar. Este Encontro Internacional serve sobretudo como antevisão de que sociedade seria a nossa com o PCP perto ou dentro do poder. Fraco resultado para tanta gente se juntar.
(*) O Partido da China participou como “observador”, o Partido da Coreia do Norte não participou.
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