Terça-feira, 28 de Outubro de 2008

NOS BASTIDORES DA SUCESSÃO

 

À primeira vista destinado a públicos sitiados em necrofilias políticas, a dos saudosistas salazaristas e a de algum antifascismo de memória, o livro de Paulo Otero sobre o período que vai do acidente de Salazar em Agosto de 1968 até à sua morte em Julho de 1970 (*), surpreende como relatório (é esse o estilo do livro), aclarando muitos aspectos pouco conhecidos ou ainda não levantados, da atribulada movimentação palaciana nos bastidores da sucessão que levou Marcello Caetano a substituir Salazar na cadeira do poder ditatorial.
 
Sendo o autor um académico de ciências jurídicas, não um historiador, nota-se no livro uma elaboração ético-defensiva na sua feitura em que, sem perder objectividade e o bom tratamento das fontes, arrasta a obra para inúmeras repetições e para uma saturação exasperante de referências às fontes que tornam o livro um desafio à paciência do leitor e à sua boa capacidade de vencer o enfado. Apetecendo dizer que um historiador com boa capacidade de escrita trataria o mesmo tema, sem perda de análise de factos e de ângulos de enfoque, com uma economia superior a metade das páginas impressas.   
 
O tema da análise da transição de Salazar para Caetano, parecendo uma questão já sobejamente conhecida, de que só faltaria a divulgação de quaisquer aspectos anedóticos, surpreende, através do livro de Paulo Otero, como sendo de enorme riqueza identificadora sobre a complexidade e jogos de interesses que atravessavam a elite do Estado Novo, revelando um puzzle de personalidades, ambições e velhacarias frequentemente soterrado em apreciações redutoras e simplistas (de apoio ou de rejeição para com o regime derrubado em 1974). E, neste aspecto, pese embora o suor inútil, por desproporcionado relativamente à sua necessidade, para suportar a leitura do livro, Paulo Otero presta um estimável serviço ao aprofundamento do conhecimento do período político abordado. E se o livro revela a esplendorosa miséria da forma sobressaltada como a elite do fascismo português lidou e geriu a sucessão do Chefe, denotando as suas fragilidades, rivalidades e contradições da época, uma conclusão não equacionada pelo autor permite aproximar uma tese que julgamos implícita e decorrente das demonstradas: a oposição antifascista, apesar das aparências difundidas pela literatura de exaltação, estava na época, como tinha estado antes e esteve depois, numa incapacidade absoluta de, sem o bramir das espadas, apear o regime. Não o ter feito em 1968-70, com a consistência do regime no seu nível mais baixo (se exceptuarmos, para comparação, o período crítico de 1958 com Delgado), provou que enquanto os militares não saíssem dos quartéis não havia hipóteses de “insurreição popular” ou "insurreição nacional" que fossem motores da queda da ditadura e da reimplantação da democracia.
 

(*)“Os últimos meses de Salazar”, Paulo Otero, Edições Almedina

 

Publicado por João Tunes às 00:24
Link do post
De lili a 28 de Outubro de 2008
necrofilias políticas?! Assim sendo, toda a História é uma necrofilia.
De João Tunes a 28 de Outubro de 2008
A pressa na leitura pode ser boa para sentenças de desdém mas arrisca-se a ser péssima como evidência de capacidade interpretativa. A história quando lida e interpreta figuras não vivas não tem que ser necrófila e é claro que não deve sê-lo. A busca histórica do passado só faz sentido se pretender servir para melhorar a vida dos vivos e dos futuros, rasgando alamedas com menos repetições de erros civilizacionais ou atropelos repugnantes. Necrofilia (histórica ou política) é uma fixação por figuras desaparecidas e datadas na defesa de uma marcha de retrocesso para figuras de marca que, eventualmente, se consideram "gloriosas". Ou na sua negação paranóica. Essa é a questão em todas as filias. Pior são as "necrofilias sitiadas" e foi a essas que aludi (negando que ela existisse no caso deste livro). Recomendo à senhora lili (suponho que lili seja alcunha de senhora com gosto por alfinetadas resguardadas pela coragem púdica do anonimato) que controle os fluxos do suco gástrico, o seu excesso não é amigo do discernimento. Ou então pode entreter-se a embirrar consigo e sem necessidade de sair do seu habitat, cara senhora.
Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.

j.tunes@sapo.pt


. 4 seguidores

Pesquisar neste blog

Maio 2015

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

Nas cavernas da arqueolog...

O eterno Rossellini.

Um esforço desamparado

Pelas entranhas pútridas ...

O hino

Sartre & Beauvoir, Beauvo...

Os últimos anos de Sartre...

Muito talento em obra pós...

Feminismo e livros

Viajando pela agonia do c...

Arquivos

Maio 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Junho 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Junho 2012

Maio 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

Links:

blogs SAPO