Osvaldo Manuel Silvestre narra a sua odisseia no mar dos livros em Coimbra (podia ser nos de Lisboa e Porto que ia dar ao mesmo) para conseguir, não conseguindo, as obras de Jorge Luis Borges. E conclui assim, certeiramente, sobre as “boutiques de livros” em que as livrarias se transformaram:
Esta é evidentemente uma história sem moral, a menos que admitamos que a «alta rotação» que define hoje o capitalismo livreiro se possa candidatar a «moral da história» (talvez com maiúscula, no sentido hegeliano do «fim da História»). As livrarias não têm hoje espaço para Borges - devolvem-no passados x meses ou ficam apenas com uma ou outra relíquia - porque têm de o ter para os livros sobre Maddie McCann ou a palpitante vida íntima de Salazar (ou as estreias na «ficção» de Bagão Félix, Nuno Rogeiro, etc.). Seria talvez altura de mudar o nome do local onde estas coisas ocorrem, e que cada vez menos está à altura dos significados que historicamente se acolheram a «livraria». Julgar-se-ia que sofás, cafés, etc., ajudariam a que as livrarias pudessem permanecer o local onde nos relacionamos com objectos que passam a mobilar a nossa vida mais íntima, mas a essa ilusão o capitalismo livreiro actual já deu bastas respostas desmitificadoras e desmistificadoras. Estamos, também aí, completamente secularizados, ao que parece. Aliás, em perfeito acordo sistémico com as alterações arquitectónicas que se apoderaram de muitos desses espaços, seria desejável, e sobretudo justo e verdadeiro, passar a chamar-lhes boutiques de livros. Ou lojas de conveniência.