Se estivesse sempre de acordo com os amigos e estes comigo, poderíamos fazer um bom grupo de Canto Coral ou um excelente Comité Central mas nada aprenderíamos uns com os outros, a não ser a cantar ou a votar por unanimidade de braço no ar. E de certeza que por apurarmos a unicidade monolítica de pensamento, não sairíamos mais amigos que antes. Filosofado o que havia a filosofar, vamos ao miolo.
O José Albergaria, neste post, insurge-se contra alguma indignação suscitada pela forma como a diplomacia portuguesa entrou em rota de intimidade de relacionamento com pessoas pouco respeitáveis (Dos Santos, Kadafi e Chavez) num desfile de tournée diplomática. Ele riposta, argumentando com os interesses de Estado e com a urgência dos bons negócios, cada vez mais necessários para salvar a nossa economia do poço depressivo. E aqui tem toda a razão. Há interesses de Estado e relações entre Estados que não devem pautar-se por convergências políticas e ideológicas. Que a diplomacia deve ser pragmática, soft e … diplomática, nisso estamos 100% de acordo. Idem que, por educação, quando se recebe ou se visita alguém, não se lhes puxam as orelhas. Como devíamos concordar em que a diplomacia é mais que economia e, para um democrata, é sempre a política, ou os princípios democráticos, que devem estar primeiro que a economia (e a um democrata socialista, essa exigência é basilar). Sobretudo, não darmos de barato que um democrata, mesmo ou sobretudo quando faz negócios, deixe de o ser para vestir a pele do gestor concentrado nos resultados e alheio ao preço dos salamaleques de conveniência como preço do regateio e dos jogos das vantagens recíprocas.
Não li que alguém conteste que se façam bons negócios com Angola, a Líbia, a Venezuela ou outros países com regimes que o céu, o purgatório ou o inferno carreguem. Pela nossa dependência energética, não há sultão, soba, ditador, semi-democrata, caudilho ou aparentado que, tendo petróleo, não devamos saber dar-nos com eles e daí obtermos, nas melhores condições possíveis, aquilo que nos faz funcionar e mover. E se, por troca, escoarmos uns pacotes de leite, uns fardos de cimento ou uns circuitos integrados, melhor vai a festa. Mas essa é a parte que compete à diplomacia económica, sub-sector não director de uma saudável diplomacia. Porque se as ditaduras não têm outras pautas que as do poder e dos interesses, uma democracia tem princípios e deles não deve abdicar, muito menos perante quem não cumpre os seus limites mínimos, nomeadamente quanto a direitos humanos, livre escolha dos seus representantes e alternância no exercício do poder. E aí, o regime português tem mais dissemelhanças que afinidades com os regimes de Angola, Líbia e Venezuela. Se, nas relações entre Estados, o português não deve imiscuir-se nos assuntos internos de outros nem permitir que outros o façam, em cada contacto e aperto de mão, deve ficar claro para o mundo e os povos que ao se conciliarem interesses não se está a conciliar visões opostas ou divergentes sobre os direitos políticos e humanos. Com diplomacia mas com diplomacia firme (vejam-se o "mestre" Zapatero e a "mestra" Merkel, insuspeitos de desvalorizarem os seus interesses de Estado, incluindo os económicos).
Quando o José Albergaria diz “Nunca se colocaram questões ideológicas. Nas declarações conjuntas nunca, da parte portuguesa se verificou a mínima das manifestações de apoio aos "regimes" que cada uma destes senhores representa: Chavez, Eduardo dos Santos e Kadhafi.” não está a contar o filme exibido e que todo o mundo viu. Em Angola, Sócrates fez um elogio rasgado à política de Dos Santos e ao MPLA, com Chavez, permitiu que o venezuelano se permitisse intimidade viscosa de amigos políticos e autorizou que Kadafi o apertasse contra o peito numa representação de intimidade politicamente obscena. E Sócrates não disse uma palavrinha (de Luís Amado nada a esperar nesse sentido, pois nunca tivemos um chefe de diplomacia tão dogmatizado no “nim”, cada vez mais lembrando o cinzentismo burocrático do velho e ido Gromiko) a reafirmar os princípios da democracia, das liberdades e dos direitos humanos. Tudo foi, princípios democráticos incluídos, o que o governo português embrulhou na tecnocracia dos negócios. E é isto, não outra coisa, o que está mal. A merecer um saudável protesto, não para fazer uma manifestação a exigir a demissão do governo mas para que não se repita (e em nosso nome).
Disse. E espero pela “pancada” de volta. Que receberei com o abraço fraterno de sempre.