
III – UM CISMA COM VÁRIOS CAPÍTULOS
A Conferência de 1969 apresentou um aspecto paradoxal curioso na contradição entre os documentos colectivos aprovados e as intervenções dos delegados. Como se tivesse tratado não de uma mas de duas conferências. Enquanto os documentos passaram ao lado das divergências, a maioria das intervenções tomaram partido sobre todas elas. O que significou que a aparente unidade programática conseguida, sendo o “máximo unificador comum” entre os conferencistas, esteve muito aquém das efectivas posições políticas e ideológicas que norteavam os delegados e os seus partidos. Sobretudo quanto às divergências mais graves (e a maior já se exprimira pela amplitude e peso das ausências) e que tinham a ver com o diferendo sino-soviético (*), a invasão da Checoslováquia, o predomínio do PCUS relativamente aos restantes partidos, as questões do socialismo e da democracia, a Conferência pode considerar-se ter sido de absoluta inutilidade se o objectivo tivesse sido saná-las. Mas o objectivo táctico dos soviéticos estava alcançado: feitas as necessárias excomunhões, incrementara-se o monolitismo unipolar sob direcção imperial do PCUS entre o campo comunista (os que defendiam o poder e os que lutavam por chegar a ele), numa espécie de réplica encolhida do Komintern sob comando de Estaline.
A partir desta Conferência, a fracção monolítica dali saída, além de dependente dos generosos financiamentos soviéticos para compensar os fiéis e os leais, unificou-se numa linha política entendida como o marxismo-leninismo da época (que, ainda hoje, recheia as formulações ideológicas do PCP), excluindo heresias (o “eurocomunismo”, o “maoísmo” e o “autonomismo”), permitindo que o PCUS e os seus satélites atravessassem a década de 70 do século XX a ladearem a decadência anunciada até que o erro clamoroso da invasão do Afeganistão pela URSS precipitou o fim do sistema, só faltando aguardar a chegada do Sr. Gorbatchov para celebrar a missa final. A ilusão do sucesso da Conferência Internacional de 1969 durou 20 anos, até que o comunismo caindo como um castelo de cartas, confirmou a agonia do comunismo como ideia, projecto e forma de governar povos.
(*) – Álvaro Cunhal, que antes enfrentara dentro do PCP a fracção maoísta liderada por Francisco Martins Rodrigues, no seu discurso na Conferência não foi nada meigo para com o “grupo de Mao-Tsé-Tung” (assim era designada a direcção do PCC pelos pró-soviéticos):
“Trabalhar pela unidade não significa só fortalecer os laços de cooperação entre os que a desejam. Significa também combater as acções daqueles que declarem que o seu objectivo é dividir e destruir os partidos comunistas, minar a comunidade socialista, desintegrar o movimento comunista. Por isso, o nosso Partido, pela parte que lhe respeita, assume como seu dever perante a classe operária e o povo português e perante o movimento comunista internacional, adoptar uma posição clara relativamente às concepções e actividades nacionalistas, chauvinistas, expansionistas, antisoviéticas e fraccionistas dos dirigentes chineses, que foram agravadas com a chamada «revolução cultural» e com o recente Congresso em Pequim. Gostaríamos de não termos de empregar estas palavras, mas não conhecemos outras para exprimir o que queremos dizer. A unidade do campo socialista e do movimento comunista internacional e a aliança com o movimento de libertação nacional defende-se e reforça-se combatendo as actividades divisionistas, fraccionistas e desintegradoras e não permanecendo no silêncio perante elas.”
Nota: Ler os anteriores posts desta série (1, 2).