
A classe média, sustentáculo das democracias consolidadas e tendencialmente social-democrata por opção moderadora face aos extremos socialmente desequilibrantes, é esmagada em dois contextos: em disparidades sociais extremadas (em que perde o etapismo inerente ao processo de ascensão percebido) e nos nivelamentos forçados por vias de deskulakização social (em que o futuro se associa ao pessimismo da descida à proletarização). E sem uma classe média forte, o principal sustentáculo da democracia e da alternância, nem o proletariado (aqui entendido como a camada assalariada de rendimentos mais baixos e não segundo a clássica associação marxista com o proletariado industrial e agrícola, agora nitidamente em declínio em termos de presença social) se quieta na impaciência reformista acerca das expectativas quanto à subida no estatuto social (que transmuta o desespero de classe em consciência reivindicativa reformista) nem os mais ricos e poderosos são moderados nos ímpetos de ganância e de poder impune.
Ao contrário do que o centro político tem percebido, exactamente aquele que devia – se houvesse consonância sócio-política – representar o espectro social da classe média, o maior dos erros cometidos nos últimos anos, com PSD e PS nos governos, tem estado na consecutiva proletarização das classes médias. O que os mais ricos têm tacitamente agradecido pois a dualidade social resume-se, agora, à alternativa de ser-se pobre ou muito rico. Ao lado dos que agradecem e deitam foguetes porque o proletariado se degrada nas suas condições de vida, na medida em que a pauperização crescente, não lhes interessando resolvê-la, dá pasto ao alastrar das ondas de protesto (pese embora estes fenómenos terminarem mais em soluções de direita que em resoluções revolucionárias socializantes, mas talvez um Cruzador dê uma salva de remorso…).
Desde Guterres, o PS não superou o social-cristianismo do assistencialismo social como panaceia para a erosão do alastrar do fosso das desigualdades sociais, como se o núcleo ideológico do poder se tivesse transferido de São Bento para o Palácio Patriarcal. E o que Sócrates mudou de substancial relativamente ao guterrismo, após o desastrado interregno laranja de Durão e Santana, foi dar-lhe substância tecnocrática, poder de retórica comunicacional e ataque nunca visto contra a base de sustentação do centro, as classes médias, sobretudo a vastíssima clientela profissional do Estado. Com pouco talento e muita fúria suicidária.
Se o socratismo desertificou a direita, ocupando-lhe o terreno, a esquerda revolucionária agradeceu o bónus e meteu mãos à obra, perante tamanha oferenda de desmantelamento da ideia de Estado liberal e democrático, deslocando-se as opções políticas comuns para o desespero e o pessimismo, o pai dos extremos. Com Manuela Ferreira Leite, dificilmente se esperando melhor, temos mais do mesmo mas em pior: um mais extremado desmantelamento do Estado e um aprofundar do assistencialismo como retórica eleitoralista, em nome da emergência social de cada vez mais franjas crescentes de pobreza. Com Sócrates e Ferreira Leite, separados ou juntos, teríamos mais ou menos Estado (do que dele resta em termos de intervenção) mas também o alargar do fosso social (para o qual, há evidentes limites de possibilidade) com o concomitante definhamento progressivo das classes médias.
Sem referências à esquerda e à direita, com o centro de costas voltadas, o que resta à classe média? Suicidar-se enquanto classe, assistindo impotente ao empolamento dos mais ricos rumando à oligarquia e ao paralelo esmagamento proletário até que a sua última esperança se confine à próxima manifestação? Vá-se lá saber, agora que estão orfãs de partido.
Adenda: Estava longe de esperar que fosse um discípulo europeizado de Pol Pot a comentar um meu sermão tão mal espremido. O que não impede que tire o chapéu à veemência radical do contraditório pois dela, não resultando qualquer “limpeza social”, não vem mal ao mundo e, para mais, ganha a polémica. Sai, então, uma cordial chapelada à moda setubalense.
De carlos a 23 de Junho de 2008
que resta? a corda, a corda. ouc omprimidos, que o 605 forte já não se vende.
hoje vi na tv o cúmulo dos cúmulos: já há "créditos" aque se pdoem pedir por conta do reembolso do IRS! fdp! nada, mas mesmo nada lhes escapa... não nos podem ver um tostão (mesmo destes, tostão mas que era nosso e fora cobrado a mais) que não pensem logo em como lhe deitarem as unhas, fanarem-nos e benemeritamente o que puderem! FDP!
que se segue? créditos sobre o subs. de morte a quem tenha ancestrais com mais de x anos?
caminhamos para nus e a seguir ao Verão há-de vir o Inverno. a corda não é descabido. é evasão recorrente, nem que só no subconsciente do tal roto que o diz ao nu, quando ainda não fez a barba muy bem escanhoada e ajeitou a gravata, e se olha ao espelho. F-D-P!!!
Já vamos aí, perdão, por aí?
De carlos a 23 de Junho de 2008
não. blá blá até que fique só blah
De carlos a 23 de Junho de 2008
o YouTube é um manual de instruções do caraças, já agora)
O que resta à classe média caro J Tunes é respectivamente:
a) emigrar
b) votar em partidos de extrema direita,
c) votar bloco e pcp como voto de protesto
d) desmantelar o regime.
A paupérrima classe média está a fazer tudo isso.
Não concordo coma expressão "proletariado" porque isso pressupunha que existisse industrialização que se visse em Portugal mas o país aceitou ser desindustrializado para dar uma facada no PCP.
O mesmos que aceitaram fazer esqueceram-se , lamentavelmente de explicar o que iria substituir o emprego na área industrial.
Pelo meio disto valores como democracia e liberdade estão em erosão.
Mas até tem sido o PS a proporcionar mais isso, portanto...
E o PS é a maior desilusão e fracasso como partido deste sistema que existe.
Incapaz de definir uma política de esquerda que não passe por copiar o modelo Cavaquista, incapaz de propor um modelo económico-social diferente do do PSD e que funcione.
Para que é que serve o PS?
O caro João Tunes não ignora concerteza que o jogo simbólico e retórico praticado pelo PS de se apresentar a si mesmo como um produto estável e apresentar o PCP e o BE como esquerda radical ou o que seja está a acabar.
E que o PS se está - como aliás sempre se esforçou por isso- a ser colocado numa espécie de centro que todos atacarão, precisamente porque o PS quer ser tudo e não é nada.
Esse produto está esgotado. O anti comunismo está esgotado como solução.
Como eleitor de esquerda gostava que no PS apenas uma pessoa - só é preciso uma - pelo menos entendesse alguma coisa de economia já não digo a actual, mas a dos anos 90.
E depois tomasse umas decisões lógicas.
Agora retórica e Sócratismo, lamento pela virulência, mas não constituem um programa político sério.
É preciso saber governar e o PS em duas ocasiões históricas não soube governar.
Pior: está a começar a ser o coveiro do actual regime.
Por um lado gosto porque estou farto disto; por outro não gosto porque já vi quem se perfila à espreita e não é o PSD.
Quanto à expressão "proletariado", introduzi, no texto e em (), uma precisão no uso do conceito. Mas nunca proletariado foi conceito associado exclusivamente à indústria. Desde sempre, que o conceito é usado, se falou de proletariado agrícola, por exemplo. E, no fundo, sempre se admitiu uma identificação entre os termos proletariado e assalariado.
discípulo de pol pot?! (fosca-se!)
como se diz aqui em setúbal: à pá sósse, más vale dizerres que na gostas de mim!
Gosto, gosto. Do Pol Pot é que não. E ser díscipulo dele, por gosto ou por boleia, é, por exemplo, arrumar a classe média como uma dúzia de patos bravos e oportunistas. Esse raciocínio simplista e preconceitado é que lhe justificava
a "desurbanização": a malta das cidades é tudo uma corja, limpa-se tudo, ficam só os camponenes e alguns operários. E limparam, limparam muito. Tantos que se os vietcongs não entram por ali dentro, nem se salvavam os salmonetes, admitindo que hajam salmonetes no Cambodja.
Bem me queria parecer que havia por aqui um mal-entendido.
Até assumo que a culpa tenha sido minha. Não me soube explicar.
Nunca foi minha intenção arrumar a classe média com uma dúzia de patos-bravos oportunistas. O post era uma análise do ponto de vista da economia. Menos Estado. Até já me chamaram neo-liberal e outras coisas piores por causa de defender menos Estado na vida das pessoas (no Verão Quente, na escola, chamavam-me anarquista e discípulo de Proudhon…).
O que eu mantenho é que a “classe empresarial” e a “classe média”, em Portugal, são uma patranha. Não existem. Ou antes, só existem porque existe um Estado omnipresente e omnipotente. Acabe-se com o Estado como ele actualmente é, e estas duas classes, como as conhecemos, pura e simplesmente deixam de existir.
Não defendo uma limpeza à Pol Pot. Antes pelo contrário; defendo um estímulo à sociedade. Diminua-se o peso do Estado, e o efeito será o inverso. O verdadeiro empresário vai aparecer. Aquele que não vive à sombra do Estado e das Obras Públicas. Tem de se “fazer à vida” by him self.
Ter emprego e reforma garantida para toda a vida, trabalhe-se ou não, porque nunca se é despedido (aliás uma fórmula muito URSS…), não é classe média; é classe super-previligiada.
Este sim seria um verdadeiro choque fiscal & tecnológico e outras coisas que tais. Fazer as pessoas fazerem pela vidinha.
Cumprimentos,
J Simões
Agora, sim, tudo entendido: de Pol Pot a Passos Coelho vai um salto de passarinho.
Abraço.
com essa do passos coelho posso eu bem, já me chamaram tanta coisa... o gajo até é da minha idade.
aliás, nestas argumentações talvez não fosse de todo descabido introduzir o factor geracional. da geração que "não tem memória" das lutas contra a ditadura: a minha.
anyway, o papel de polt pot aqui, parece-me ser o joão tunes; ao querer ver uma classe média onde ela não existe. ou função pública é = a classe média? só em portugal...
aliás, como se pode facilmente comprovar com os milhares que a cgtp pôs nas ruas a marchar contra sócrates. de onde é que eles vinham (vêm)?
ainda há pouco ouvi a odete santos frente ao mário crespo argumentar sempre com a "função pública". nunca a classe média.
abraço
j simões
Os argumentos estão a resvalar demais para o agreste (de ambas as partes) para que a conversa (me) continue a interessar. Além de que nem por uma vez discuto com alguém esgrimindo diferenças de idade. Nunca o fiz nem faço quando conversei e converso com mais velhos, não o fiz nem farei com mais novos.
Cumprimentos.
Caro João Tunes,
Não foi minha intenção esgrimir diferenças de idades.
Se as minhas palavras levaram a essa interpretação, aceite desde já As Minhas Sinceras Desculpas.
O que eu quis dizer foi que, a minha geração, que não teve (não tem) memória de lutas contra a ditadura e contra a repressão, a não ser por interposta(s) pessoa(s), no meu caso pelos meus pais, ou através da leitura; até de blogues, como o Água Lisa por exemplo (que muito considero).
Por não ter essa memória abordamos determinados temas de uma forma mais descomprometida. Agora se esse descomprometimento nos poderá levar a cair em determinados erros, que outras gerações pela sua experiência facilmente identificam; assumo como verdadeiro.
E agradeço sem qualquer tipo de problema ou complexo que me apontem os erros; não invalidando que vá eu próprio construindo a minha visão da realidade.
Cumprimentos
J Simões
Sem rancor, continuaremos a conversar (sobre outros temas, porque este está gasto).
Abraço.
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