Não resisti a ver a entrevista de António Lobo Antunes na RTP durante a semana. Um SMS e uma chamada de atenção do meu filho transformaram a sessão televisiva numa espécie de cumprimento de dever. E vi.
Valeu a pena. Não pela entrevista porque ela não existiu apesar do muito suor arfado pela diligente Judite no desespero de encontrar um fio de comunicação. Valeu pelo espectáculo de uma entrevista não entrevistada. Talvez se explicando pela minha fraca prestação como tele-espectador, nunca tinha assistido a tamanha contrariedade de alguém ali estar sem qualquer vontade de conversar ou dizer o quer que seja. O homem não queria falar, nem abrir boca, mas estava ali sentado, sempre mal sentado, a cumprir um frete (doloroso para ele, para a pobre entrevistadora, para quem o estava a ver e ouvir). De onde deduzo que aquele espectáculo de sacrifício se deveu a uma obrigação de ganha-pão, imposto pela editora, que o cidadão-escritor transformou, subverteu, num acto de resistência cívica e connosco, no papel de parvos, a pagar as favas. Consciente. Preparado (a maior parte das vezes, impossibilitado de não falar, ele acintosamente apoiava o maxilar inferior sobre as mãos para não se perceber patavina do que soletrava). E julgo que entendi a mensagem do criador literário - neste país de treta em que todo o mundo dá o cú e dez tostões por aparecer na televisão eu estou aqui metido num trono de famoso para falar e não falo, nem para a televisão nem para vocês, se me querem ouvir leiam os meus livros e não me chateiem que eu tenho mais que escrever.
Um grande sacana este Lobo Antunes. Que se apaga para nos apagar, desligando-nos a televisão na cara. Mas um bom sacana como não deixa mentir aquele sorriso iluminado e cortante de menino meigo e cruel com que amenizou, de tempo a tempo, a pólvora da provocação.
No fundo, o marketing (e tão mal habituado ele anda) ainda está para aprender que há escritores que escrevem livros. Por isso, as editoras que agradeçam ao sacana. Eu não. Contribuí com o meu papel de parvo e chega.
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