(Versão revista após constatar que tinha cometido o lapso de referir o ISP como uma tributaçção percentual, quando esta tributação é fixa e estabelecida por portaria governamental. Nos impostos aplicados aos derivados petrolíferos (ISP + IVA), só o IVA é percentual - portanto, subindo conforme sobe o valor "preço + ISP" - , o que confirma que pela vaga altista dos preços dos combustíveis há uma maior colecta de impostos pelo Estado, via IVA.)
Neste meu anterior post, o Luís Novaes Tito respondeu-me (ver comentários) e lançou-me um desafio, retomando ainda a polémica aqui. Antes que se faça tarde, aqui vai a tréplica (pois a campanha dele vai de vento em popa, talvez já ameaçando que a Galp saia do mercado, deixando-nos, assim, com o problema energético resolvido):
Caro Luís,
Permita que, mais uma vez (para desconto das tantas vezes que comungámos na mesma eucaristia), o contrarie.
Percebi agora que a sua fúria direccionada contra a Galp parte de duas premissas: primeira, que a Galp é portuguesa; segunda, que a Galp arrecada “lucros inacreditáveis” pela escalada nos preços dos combustíveis numa óptica diabólica de “agravar a carestia de vida dos seus concidadãos”. O problema primeiro é que ambas as suas premissas estão erradas. A Galp, hoje, não é “portuguesa” pois nela dominam, nos seus interesses accionistas e respectivas decisões, mais a ENI e a Sonangol que, do bando lusitano, o (patriota mas capitalista nas horas de serviço) Américo Amorim, a pequena parcela remanescente do Estado português (a que a UE retira a modalidade de “golden share”) e os pequenos aforradores portugueses que, para o caso, são invertebrados nas tomadas de posição da companhia. Verdade, que até parece mentira, os “lucros inacreditáveis” da Galp não se devem ao aumento dos preços dos combustíveis no consumidor (lucros chorudos e crescentes são os de Chavez e parceiros, mais, por cá, os do ISP e IVA – num sistema de dupla tributação em que o IVA incide percentualmente sobre produto antes já tributado pelo ISP – que revertem para o Estado).
Como sabe, pois se não soubesse não se oferecia para liderar este ciber-boicote à Galp, há dois tipos de cotações que regulam o mercado internacional do petróleo e derivados: o do crude (matéria prima) e o dos derivados (gasolina, gasóleo, etc). O primeiro tem a ver com os controladores da exploração e produção (a Galp é um actor muito pequenino) e o segundo com as grandes refinadoras e distribuidoras/comercializadoras (onde a Galp é quase um figurante). Quem tem, produz e exporta petróleo, está a ganhar balúrdios, sobretudo quando controla com eficácia, como está a acontecer agora, a relação oferta-procura. Este negócio é independente do dos derivados e se a Galp nele, de há pouco tempo a esta parte, obtem bons proveitos é porque soube inverter a política suicida da gestão Mexia que incluía a radicalidade suicidária de liquidar a inversão da Galp neste domínio. Talento e muita sorte (ao apostarem em zonas com boas reservas e de não elevados custos de exploração) das gestões pós-Mexia permitiram que a Galp apostasse bem em Angola e Brasil e isso explica, em grande parte, que ano e meio depois de lançar-se na Bolsa, as acções da Galp mais que tivessem triplicado a sua cotação. Apesar de assim não parecer, a cotação dos derivados é autónomo e rege-se por outra relação entre oferta e procura e em que compete sobretudo a eficácia em produtividade e tecnologia de refinação. Este foi historicamente o calcanhar de Aquiles da Galp que acumulou, anos a fio, prejuízos na actividade refinadora (tantos que a Refinaria do Porto viveu décadas sob a ameaça permanente do encerramento). Também aqui, após o momento histórico-empresarial em que a Galp se livrou da gestão Mexia, por investimento, modernização e motivação, o parque refinador da Galp conseguiu passar a colocar refinados alinhados nos preços de cotação no mercado e com margem refinadora positiva. E, consequentemente, transformar uma faixa de prejuízo numa actividade lucrativa. E, curiosamente, indo ao que mais interessa para o caso (preços no consumidor), é no mercado de retalho (nos postos de abastecimento), a “menina dos olhos” quando da gestão Mexia, pelo efeito demolidor dos preços finais dos derivados com retracção inevitável no consumo, que a Galp tem vindo a decair nos seus resultados (que levou, como exemplos, a que o gigante Shell abandonasse as redes de postos em vários países europeus, incluindo Portugal, concentrando-se na exploração e na refinação, assim como que a Exxon vendesse as suas posições portuguesas sob marca Esso à Galp).
O efeito da cotação do dólar face ao euro não é para aqui, para este argumentário, chamado. As cotações de crude e dos derivados que regulam os preços no consumidor estão traduzidos em euros (claro que se, no caso, o dólar não descesse tanto face ao euro, o quadro do impacto energético seria bem mais dramático que aquele que é hoje).
Hoje, se a Galp apresenta os lucros que tem, sendo tempo de vencermos preconceitos serôdio-soviéticos contra a eficiência que leva ao lucro, estes não se relacionam absolutamente nada com a alta de preços na gasolina e no gasóleo (ao contrário, pela retracção no consumo, perde quantidade vendida e perde margem total de lucro por comercialização). Estes vêem, e são meritórios, de outras actividades que antes eram incipientes ou deficitárias (exploração e refinação).
Como regra internacional adoptada entre companhias petrolíferas, não se podem transferir resultados-lucros entre segmentos da actividade. Se se fizesse isso, haveriam apenas, em todo o mundo, quatro ou cinco companhias que cartelizavam o mercado mundial do petróleo desde a exploração até a distribuição e podendo fazer “dumping” no sector de negócio que lhes interessasse. Assim, para falarmos dos preços nos postos de abastecimento, as referências únicas são as cotações internacionais dos derivados do petróleo (gasolina, gasóleo) e a cotação do petróleo bruto só é para aqui chamada na medida em que influencia, com peso elevado como custo de matéria-prima, os preços à saída das refinarias (levou a que, no primeiro trimestre deste ano, a margem de refinação da Galp caísse para metade da do ano anterior). E, nestas cotações, os preços à saída das refinarias da Galp são tão competitivas no mercado europeu que as suas concorrentes com postos de abastecimento em Portugal (Repsol, BP, etc) se abastecem na Galp e só trazem uma parte ínfima de produtos finais das refinarias espanholas ou francesas.
Se todas as companhias com postos de abastecimento em Portugal se abastecem sobretudo na Galp, nada as obrigando a isso, é simplesmente porque a refinadora portuguesa é competitiva nas componentes produto+distribuição. E, depois, aplicando idênticas margens de comercialização (que são reduzidas e praticamente insignificantes no valor do custo final, podendo ir até próximo do zero no caso dos hipermercados que vendem combustíveis não para lucro mas como chamariz de outras vendas), acabam por vir para o mercado com os mesmos preços, mais dia menos dia, pois os produtos aparecem ao consumidor com os mesmos dois ónus brutais: o custo do crude e os impostos sobre combustíveis.
O problema gordo, na alta dos preços dos combustíveis que sofrem os consumidores, está na sua tributação fiscal que se soma à alta da matéria-prima. Sendo o ISP uma tributação pesadíssima, o IVA vai subindo de valor pois incide sobre o preço do produto após ser tributado pelo ISP. Hoje, a tributação fiscal representa mais de metade do preço pago pelo consumidor. E não pára de aumentar, via IVA, consoante o crude aumenta e aumenta a gasolina e congéneres. Enviesar o problema, dirigindo-o para as companhias distribuidoras, no "caso da campanha" para apenas uma delas, é "tirar da chuva" a solução que é possível porque é política, e que está na mão do governo, que reside em rever os seus crescentes "lucros chorudos" cada vez que os preços do petróleo aumenta, agravando a crise, em vez de contribuir para o seu amortecimento. Assim, objectivamente, este "malhar na Galp" é uma graça que se tem para com as companhias concorrentes da Galp e serve de guarda-vento ao governo, um dos grandes beneficiários com a presente crise (em termos de receita fiscal, quanto mais subirem os preços, mais sobe o valor colectado).
Não somos produtores de petróleo no nosso país. Não temos meios de influenciar os preços e a escalada altista do crude. Não podemos impor às companhias refinadoras e distribuidoras que se afastem da competitividade perante cotações internacionais dos derivados, muito menos que se prestem a "dumping", distribuindo abaixo do custo. Se não aguentamos o efeito devastador dos actuais e previsíveis preços finais, o que podemos fazer para evitar o apocalipse no mercado dos combustíveis? Só há um caminho de efeito imediato (além da diversificação das fontes energéticas que só terá efeitos a médio e longo prazos): rever imediatamente a política fiscal da tributação sobre os combustíveis (baixando o valor do ISP, pois não faria sentido mexer no IVA, permanecendo em aberto o problema duvidoso da aplicação da dupla tributação). É aqui, só aqui, na tributação fiscal sobre os combustíveis, que reside a nossa diferença com Espanha e não no preço dos derivados à saída das refinarias. Mas quando a mama é boa, a vontade atractiva pela teta resvala para o sensual, não é? Diga-se então que o governo está bloqueado no encontro de soluções corajosas porque vive em êxtase saboroso perante uma "facilidade" de equilíbrio orçamental com que a alta do crude lhe afagou o regaço. Mas não se façam desvios eróticos para encontrar "tarados" onde apenas se cumprem as regras do mercado e nele se compete com sucesso. Como foi essa de escolher-se a Galp para alvo de uma campanha selectiva, injusta e arbitrária. Para mais, com o argumento miserabilista, género o da esquerda radical para com a banca e empresas de sucesso, que a culpa vem sempre onde existam "lucros chorudos" (e que são "peanuts" comparados com os lucros dos grandes conglomerados petrolíferos mundiais, como a Repsol, a BP e outros isentos das campanhas de "boicotes" à lusitana).
A “boa” da Repsol (hoje um grande distribuidor em Portugal, após ter comprado a rede da Shell), tão “boa” que o Luís a poupou da ciber-campanha de boicote que decidiu liderar, pratica preços idênticos ao da Galp. Porque não pedir à feliz contemplada pela isenção de boicote que pratique aqui, em Portugal, os preços que pratica em Espanha? Se lhes dirigir tal pedido, os da Repsol, explicar-lhe-ão que: primeiro, compram produtos às refinarias da Galp porque esta companhia lhes vende derivados a preços inferiores aos das suas refinarias espanholas; segundo, praticam margens de comercialização idênticas às da Galp, estas são pequenas e não as podem encolher mais; terceiro, as diferenças de preços entre Portugal e Espanha é mera questão de impostos cá e lá. Ora bem.
Abraço, meu caro e sempre leal companheiro e amigo Luís.
PS- Quanto à sua campanha, continue com toda a inspiração. Por mim, use esse direito à vontade, embirrando com quem entender. O mesmo direito que usarei, sempre que o entender, para fazer contra-campanha a este seu injusto ataque selectivo a uma grande companhia que, pelo empenho profissional dos seus trabalhadores e méritos da sua gestão, suscita animosidade pelo seu sucesso. Desejo-lhe, finalmente, que os "nuestros hermanos" da Repsol lhe agradeçam a campanha com um sonoro "viva o Rei".