Segunda-feira, 14 de Abril de 2008

O AUTO-FUNERAL DE UM ACADÉMICO

 

Se um conceituado académico e comentador mediático demonstra um súbito gosto por chafurdar num detrito que lhe calhou no menú, como levar a mal que um qualquer ansioso de esporádicos espiches blogosféricos, se deleite em epilepsia prosélita? Esta a questão, não o livro (*) (**).

 

António Barreto não tem, decerto, a inocência estúpida que seria necessária para se aceitar que degluta e espalhe notícia, numa escala de decência mínima, o fac-simile da falsificação grosseira de uma “carta oficial” de Rosa Coutinho para Fidel Castro, instruindo-o no mata-esfola angolano. Mas António Barreto prestou-se a essa miséria, usando o “Público” de ontem (em crónica que pode ser lida aqui). Aliás, a falsificação é tão grosseira (como entender tal tipo de instruções em papel oficial e timbrado e com evidência de linguagem fabricada com artificialismos canhestros, clarificando as cumplicidades, através de “carta”, se calhar “metida com selo numa estação de correios”) que o autor tanto se desacredita ao tê-la enfiado no acervo documental que me esfumou, na altura da leitura (li-o logo que foi publicado uns meses atrás), eventual vontade de ao livro então me referir.

 

António Barreto ficará para sempre com esta nódoa, por muito brilhantismo com que venha a polir a solidez do seu passado académico, em que rigor é condição. Porque, desta forma, como académico, António Barreto comunicou-nos que faleceu por vontade sua. E, neste enterro, merece bem a companhia de um apaniguado que se lhe pendura na carreta funerária, agradecendo-lhe o “dever cívico” da difusão da mentira primária, prometendo, por homenagem ao livro e ao académico defunto, que cultivará o livro em altar, “comprando-o e devorando-o mal se cruze com ele”.

 

(*)“Holocausto em Angola”, Américo Cardoso Botelho, Editora Vega

 

(**) – Tirando os aspectos mal encadeados e a sua péssima organização, além de falsificações primárias que alberga, ainda nunca explicando bem o que é que o autor de facto andou a fazer em Angola em companhia com os diamantes, o livro tem um inegável valor testemunhal.

---

Nota: ler também este post

Publicado por João Tunes às 22:44
Link do post | Comentar
5 comentários:
De pepe a 15 de Abril de 2008
É, de facto, espantoso como A.B. reproduz acríticamente um documento tão improvável.



De Augusto a 15 de Abril de 2008
Tenho A. Barreto por um homem inteligente e surpreendeu-me ter embarcado em tamanha falsificação. Uma verdadeira casca de banana.
Mas não é a primeira vez que A. Barreto tem destes
desvarios. Todos nos lembramos do que disse sobre o Centro Cultural de Belém há alguns anos.
A referida "carta" parece mais, no estilo e no conteúdo, um daqueles documentos que a PIDE forjava para acusar os anti-fascistas.
Não se deve beber o primeiro copo de água que nos
impingem. Convém saber a sua origem.
Para bem da nossa saúde.
E isto não significa que se esteja a negar que em Angola, antes e depois de 1975 não se tenham cometido as maiores arbitrariedades e violências.
Mas esta forma tão tosca de denúncia só pode beneficiar aqueles que as negam.
De MFerrer a 16 de Abril de 2008
É absolutamente repugnante que se queira reescrever a História. Repugnante mas afinal tão compreensível. De facto, terminada a descolonização e acertadas as contas com o passado fascista, vêm à tona os revanchistas e os que não a querem aceitar. Tarde demais, digo eu.
É preciso não ter vergonha ou ser mesmo cego para não saber o que se passou em Angola desde 1960. Aconselho a ver os programas do J. Furtado na 2 onde se pode avaliar claramente os responsáveis de tudo. E a quem beneficiou tanto crime. Quem armou e financiou a UPA e a mandou matar todos os não pretos, todos os não protestantes. E isso foram os americanos e a CIA. São eles próprios que o dizem.
Mas , claro, convém explicar tudo através das malfeitorias de uma tal esquerda e de um tal comunismo que o que fez foi tentar apanhar as canas dos foguetes...ou o comboio da descolonização. À qual, aliás chegaram muito tarde, diga-se em abono da verdade. Ainda hoje o PCP acha que o golpe do 25 de Abril foi causado pela luta de classes em Portugal e que o exército colonial tinha legitimidade para dizer como se deviam organizar as sociedades em Portugal e nas colónias...
O MPLA, de esquerda ? Só dá para rir !
O Rosa Coutinho a dar indicações ao Fidel Castro ? Nem dá para comentar !
Mas esta gente sabe lá o que se passou em Angola!?
Sabe que o exército sul-africano só não entrou vitorioso em Luanda a 11 de Novembro porque foram parados pelas forças cubanas a 30 km de Luanda ?
Que esse exército tinha cometido as maiores chacinas desde o Cunene e saqueado todos os bens dos colonos portugueses incluindo o gado de topo de gama da Estação Veterinária de Nova Lisboa ?
Que em conjunto com a Unita procederam a várias limpezas étnicas por toda a Angola ?
As falsificações vão continuar enquanto houver quem tenha saudades do outro tempo.
O papel dificílimo de Rosa Coutinho em Luanda apenas com 150 soldados fieis - todos os outros foram devidamente enquadrados pelos oficiais para não combaterem - mesmo quando estavam em perigo populações civis, de qq cor, diga-se, foi uma obra de arte político-militar: Digo-o porque sei.
Quando, para evitar a tomada de Luanda pelos hordas da UPA e do Mobutu , o RC enviou 100 homens fieis ao encontro de mais de 5.000 soldados e com isso os fez parar, tendo prendido muitas centenas deles, à mão, apanhados a dormir dentro das matas do Norte de Angola, isso foi um dos mais extraordinários feitos e grande contribuição para evitar mais um banho de sangue.
António Barreto está em roda livre há muito tempo e desesperado por não ser ministro de qq coisa. Dispara a torto e a direito. é ver o que tem vindo a dizer sobre a Ministra da Educação e sobre os professores, coitadinhos.
[Error: Irreparable invalid markup ('<br <a>') in entry. Owner must fix manually. Raw contents below.]

É absolutamente repugnante que se queira reescrever a História. Repugnante mas afinal tão compreensível. De facto, terminada a descolonização e acertadas as contas com o passado fascista, vêm à tona os revanchistas e os que não a querem aceitar. Tarde demais, digo eu. <BR>É preciso não ter vergonha ou ser mesmo cego para não saber o que se passou em Angola desde 1960. Aconselho a ver os programas do J. Furtado na 2 onde se pode avaliar claramente os responsáveis de tudo. E a quem beneficiou tanto crime. Quem armou e financiou a UPA e a mandou matar todos os não pretos, todos os não protestantes. E isso foram os americanos e a CIA. São eles próprios que o dizem. <BR>Mas , claro, convém explicar tudo através das malfeitorias de uma tal esquerda e de um tal comunismo que o que fez foi tentar apanhar as canas dos foguetes...ou o comboio da descolonização. À qual, aliás chegaram muito tarde, diga-se em abono da verdade. Ainda hoje o PCP acha que o golpe do 25 de Abril foi causado pela luta de classes em Portugal e que o exército colonial tinha legitimidade para dizer como se deviam organizar as sociedades em Portugal e nas colónias... <BR>O MPLA, de esquerda ? Só dá para rir ! <BR>O Rosa Coutinho a dar indicações ao Fidel Castro ? Nem dá para comentar ! <BR>Mas esta gente sabe lá o que se passou em Angola!? <BR>Sabe que o exército sul-africano só não entrou vitorioso em Luanda a 11 de Novembro porque foram parados pelas forças cubanas a 30 km de Luanda ? <BR>Que esse exército tinha cometido as maiores chacinas desde o Cunene e saqueado todos os bens dos colonos portugueses incluindo o gado de topo de gama da Estação Veterinária de Nova Lisboa ? <BR>Que em conjunto com a Unita procederam a várias limpezas étnicas por toda a Angola ? <BR>As falsificações vão continuar enquanto houver quem tenha saudades do outro tempo. <BR>O papel dificílimo de Rosa Coutinho em Luanda apenas com 150 soldados fieis - todos os outros foram devidamente enquadrados pelos oficiais para não combaterem - mesmo quando estavam em perigo populações civis, de qq cor, diga-se, foi uma obra de arte político-militar: Digo-o porque sei. <BR>Quando, para evitar a tomada de Luanda pelos hordas da UPA e do Mobutu , o RC enviou 100 homens fieis ao encontro de mais de 5.000 soldados e com isso os fez parar, tendo prendido muitas centenas deles, à mão, apanhados a dormir dentro das matas do Norte de Angola, isso foi um dos mais extraordinários feitos e grande contribuição para evitar mais um banho de sangue. <BR>António Barreto está em roda livre há muito tempo e desesperado por não ser ministro de qq coisa. Dispara a torto e a direito. é ver o que tem vindo a dizer sobre a Ministra da Educação e sobre os professores, coitadinhos. <BR class=incorrect name="incorrect" <a>MFerrer</A> <BR><BR>
De C. Medina Ribeiro a 17 de Abril de 2008
No SORUMBÁTICO (http://sorumbatico.blogspot.com), onde, ao domingo à noite, António Barreto afixa as suas sempre interessantes crónicas, está também a de Ferreira Fernandes (autor convidado do blogue) que diz o óbvio: a carta que A. Barreto cita não tem pés nem cabeça.

Os primeiros comentários que recebeu (inicialmente crédulos), foram dando lugar, com o decorrer das horas, a outros de teor muito diferente.

Talvez valha a pena ler.
De C. Medina Ribeiro a 27 de Abril de 2008
No Público de hoje (27 Abr 08), António Barreto retracta-se no que toca a tão melindroso assunto. Escreve:

Correcção: Há duas semanas, citei, nesta coluna, uma carta atribuída ao antigo Alto-comissário em Angola, Rosa Coutinho. Esse documento fora reproduzido em fac-símile num livro de Américo Botelho editado em Lisboa em 2007, “Holocausto em Angola”. Desde então, que eu soubesse, a sua autenticidade não tinha sido posta em causa. O Almirante Rosa Coutinho acaba de negar, na revista “Visão”, a autoria de tal carta. Lamento ter utilizado como argumento esse documento apócrifo. As minhas desculpas ao senhor Almirante e aos leitores.

Como habitualmente, a crónica completa será afixada no Sorumbático (http://sorumbatico.blogspot.com/), logo à noite.

Comentar post

j.tunes@sapo.pt


. 4 seguidores

Pesquisar neste blog

Maio 2015

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

Nas cavernas da arqueolog...

O eterno Rossellini.

Um esforço desamparado

Pelas entranhas pútridas ...

O hino

Sartre & Beauvoir, Beauvo...

Os últimos anos de Sartre...

Muito talento em obra pós...

Feminismo e livros

Viajando pela agonia do c...

Arquivos

Maio 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Junho 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Junho 2012

Maio 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

Links:

blogs SAPO