Luís Januário pespegou esta bastonada escrita:
A seita autista que arrasta o nome do Partido Comunista Português manifesta algumas peculiaridades. Uma delas é o estranho desinteresse pela sorte da classe operária chinesa: já não falo em horários de trabalho, direitos sindicais, regalias sociais mas de coisas básicas que lhes preexistem e têm a ver com a dignidade da existência.
De facto, não há hoje outra parte do mundo com uma concentração de operários que seja superior à que se encontra na China. Idem quanto à sua homogeneidade relativamente a más condições de trabalho, falta de direitos, grau de exploração. Objectiva e subjectivamente, em poucos países e momentos históricos se encontraram, como hoje na China, reunidos os requisitos para se falar de classe operária segundo o conceito marxista de classe e de potencial revolucionário para extirpar a exploração, fazendo a revolução. As dificuldades (melhor: relutâncias), que vêm muito de trás, dos comunistas chineses entenderem o papel de vanguarda da classe operária, desalinhando com a ementa marxista de hierarquização das vanguardas revolucionárias, deslocando o pólo condutor para as massas camponesas (e, durante a “revolução cultural”, para as massas estudantis radicalizadas), uma heresia que mereceu milhares de páginas com críticas violentas, fazem parte do património da revolução chinesa e das querelas que suscitou entre a irmandade comunista. Provavelmente, o desprezo dos comunistas chineses no poder para com os operários chineses, acentuado com a competição globalizante dos tempos actuais, em termos culturais e ideológicos, não passa de uma persistência no pensamento comunista chinês da sua heterodoxia marxista.
Desde o início do cisma sino-soviético, Cunhal e o PCP assumiram o papel de serem, entre os comunistas que não exerciam o poder, os mais violentos na denúncia das heresias marxistas dos comunistas chineses. Sempre que havia reuniões internacionais dos partidos comunistas, Cunhal, em nome do PCP, assumiu sempre a posição mais extremada de apoio aos soviéticos e de ataque violento ao aventureirismo, voluntarismo e subestimação do papel da classe operária por parte dos renegados chineses. E, na realidade política portuguesa (na última fase da ditadura e durante o período revolucionário), Cunhal e o PCP, no seu posicionamento perante os grupos maoístas portugueses, transpuseram sempre a mesma inimizidade irredutível e coincidente com o péssimo relacionamento entre o PCUS e o PCC e conexas competições para controlarem e dominarem ideologicamente partidos e movimentos de raiz marxista em todo o mundo.
Hoje, assistimos a uma espantosa inflexão em que, talvez por falta do pólo PCUS, o PCP se pendura numa amizade de amor tardio mas apaixonadamente ardente e acrítico para com a prática de poder dos comunistas chineses (cujas expressões mais quentes fariam corar, por insuficiência relativa de paixão, um convicto maoísta dos tempos idos). Coincidindo, ironicamente, com a fase do extremar da exploração do capitalismo comunista chinês sobre a classe operária chinesa. Como se, por obra do pragmatismo mais oportunista (poder é poder), todo o património do PCP, a sua "pureza marxista-leninista", incluindo o esforço teorizante de Cunhal ao polemizar com os renegados chineses, fosse liquidado de uma penada.
O “amor chinês” da actual direcção do PCP, inscrito no mesmo oportunismo aventureiro que a leva a apoiar as ditaduras cubana e norte-coreana, as FARC, os etarras, os tallibans, os bombistas islâmicos e o actual poder persa, numa linha de "internacionalismo" sem princípios nem escrúpulos, muito menos com coerência ideológica, apostando na solução apocalíptica mundial como vingança da não digerida implosão soviética (no fundo, a dor maior e mais verdadeira), revela, antes do mais, um profundo desprezo para com os operários chineses, sujeitos a uma das explorações mais infames de que os assalariados guardam memória. Para um partido que se diz ser o da classe operária (portuguesa), é obra da duplicidade mais cínica. Ou talvez não. Afinal, onde está, aqui e agora, a mobilização da luta comunista entre o que resta da classe operária portuguesa (agora cedendo o lugar, na frente da luta de massas, aos empregados do Estado)? Talvez o que simplesmente aconteceu foi que o PCP, reduzido que está, nos seus “laços ao operariado”, aos que são oriundos desta condição e se burocratizaram partidariamente na direcção e no funcionalismo do partido, ao cortar as pontes com a classe operária portuguesa (como, na Auto Europa, em que os metalúrgicos preferem Chora ao PCP), estruture esta viragem em ligação social na coerência do seu "internacionalismo". E, sendo assim, porque deitar uma lágrima que seja a lembrar a exploração dos operários chineses?
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