Terça-feira, 25 de Março de 2008

CAVACO E A HISTÓRIA POSITIVA NA BEIRA DO ÍNDICO

 

A frase de Cavaco Silva, proferida em Moçambique: "A história é feita por pessoas, com os seus defeitos e virtudes, e quando olhamos para a história encontramos aspectos positivos e negativos. Eu tenho tendência a ver nela os aspectos positivos" merece ser pensada. Não porque o Presidente, como qualquer cidadão, não tenha direito à sua parcialidade, positivista no caso. Tanto como outros que se fixam apenas nos “pontos negros”. Desde, é claro, que sejam qualquer coisa menos historiadores de profissão e com um mínimo de higiene ética, mas esses são poucos e estão devidamente confinados dentro dos muros académicos. Se atendermos ao contexto, o significante irónico da interpelação foi que a resposta, com vestes de habilidade diplomática, vem de quem, muito antes de ocupar o cargo que agora o levou a voltar a Moçambique, ali cumpriu serviço militar na tropa colonial portuguesa e exprimiu-se assim como resposta à pergunta de jornalistas sobre se “Portugal iria pedir desculpa pelos massacres cometidos durante a guerra colonial”.

 

Provavelmente, Cavaco Silva não irá, nesta visita a Moçambique, peregrinar em penitência a Wiryamu, não fará questão de rezar na Igreja de Mucuti na Beira e não dobrará joelho por vergonha num qualquer dos vários campos de concentração e prisões onde a PIDE encerrava, torturava e fazia desaparecer os militantes nacionalistas moçambicanos. Como, passeando em Maputo, enquanto a esposa se banha em Malavane nos problemas sórdidos das urbes africanas de lixo e miséria, não vai querer admirar as acácias floridas por meio de ruas desertas tentando retomar a ordem há muito banida de mandar os negros saírem do passeio por onde vai branco a passear. E nada disso acontecerá porque Moçambique é outro e Cavaco Silva só fixa, na história, os “aspectos positivos”. E, para isso, como amuleto, homem prevenido que é, levou Eusébio na comitiva.

 

Cavaco Silva quer é mais investimento português em Moçambique. Como batido e indefectível economista que é, aposta nas mais-valias dos bons negócios para lavar as poeiras da história. Faz bem, dificilmente faria melhor. Nisso, em perspicácia do sentido histórico da actual cena mundial, Cavaco, melhor que muitos outros, entende bem que um bom negócio tudo lava.

 

Mas, pensando mais fundo, julgo que Cavaco, revelado mestre da arte do hóspede perfeito, o que fez, com a expressão escapista do seu parcialismo positivista da história, foi salvar a face do seu anfitrião, o Presidente Guebuza. Evitando a este o embaraço de ter que, seguindo Cavaco num hipotético pedido de desculpas pelos massacres coloniais, continuar a toada das culpas e desculpas, assumindo, perante o seu próprio povo, os crimes horrendos e colectivos da “Operação Produção”, chefiada por Guebuza ele mesmo (então em funções de Ministro do Interior), quando, à Pol Pot, Maputo foi varrida em vagas policiais arrebanhando moçambicanos a esmo para os largarem, com uma catana como meio único de subsistência, na aridez do Niassa, para morrerem ou transformarem-se em “produtivos”. E tudo misturado, desculpas em cima de desculpas, portuguesas e moçambicanas, daria um molho de bróculos a desembocar em embaraço diplomático. Evitando-o, Cavaco confirmou-se como um político a caminho do estado requintado. Parabéns, sendo assim. Quanto à história, não a dos optimistas espertos como Cavaco nem a dos pessimistas parvos que os há às carradas, secas igualmente as lágrimas de Eusébio em Malavane, seguirá após esta ligeira interrupção.

Publicado por João Tunes às 16:22
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2 comentários:
De Augusto a 25 de Março de 2008
Boa. Sempre atento e pronto a denunciar as hipocrisias dos políticos.
Mas assim, sem ter presente as conveniências, nunca
mais te convidam para o governo.
De João Tunes a 25 de Março de 2008
Porque não? Se falhar uma pastinha ministerial, assessor de ministro pelo menos, então este blogue foi só trabalho para aquecer...

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