Segunda-feira, 24 de Março de 2008

LEMBRANÇA

 

Pelo alarido dos que dizem que o respeitinho era coisa de antes, lembrei-me de um episódio vivido há cinquenta anos, portanto em pleno fulgor do salazarismo, e que marcou a minha perplexidade como aluno recém-entrado na adolescência. Uma professora, julgo que de Português, colocou o aluno mais reguila da aula (mais velho e várias vezes repetente) a fazer trabalhos no quadro, enquanto ela continuava a aula. O rapaz desapertou a braguilha e iniciou uma masturbação. A turma ficou siderada pelo insólito e em pânico de como aquilo ia acabar, a professora, simulando não ver a provocação, sem se virar, continuou, calmamente, a aula. O prevaricador acabou por desistir e terminou o trabalho encomendado (um caso de sucesso pela táctica do desgaste perante quem apostou alto na provocação, sem imaginar os custos da exposição pública do meio provocatório escolhido). Nada mais se passou, além de que, pelo susto e pela vergonha, o reguila se foi contendo e gerindo a reconquista da distância com a turma. Naquele dia assisti ao fracasso de um candidato precoce a líder pela via delinquente. E ganhei admiração pelos professores sábios. Tratou-se de facto de uma excepcionalidade (que, por isso, adquiriu, para mim, uma enorme força pedagógica): o recurso à superação num caso grave de anormalidade comportamental e face aos padrões de exercício de autoridade e consequências repressivas em vigor na época. Além de que comprova que os comportamentos desviantes e até delinquentes, nas aulas e fora delas, nunca têm data. Havia-os antes e há-os agora. Como há e havia quem com eles sabe lidar, enquanto outros não. Sabê-lo fazer, nas escolas, é o que, além da capacidade de transmitir saber, distingue um professor de um assalariado do Ensino. 

Publicado por João Tunes às 00:03
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4 comentários:
De Rui Miguel Pereira a 24 de Março de 2008
Um episódio bastante curioso, mas tenho as minhas reservas quanto à tactica essa tactica aplicada nos nossos dias. É fácil de prever a enchorrada de consequencias q isso teria, ainda mais com telemoveis por perto. Mas não deixa de ser um exemplo da importancia da autoridade de um professor sobre o comportamento dos alunos sem para isso recorrer à força.
De João Tunes a 24 de Março de 2008
Obviamente que as situações não são transponíveis. E cada caso é um caso, exigindo cada um uma sabedoria própria. Que existe ou não.

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