Domingo, 9 de Março de 2008

VOLTAR AO BUSILIS

 

O imbróglio da Educação tem de ter uma solução que seja factível (politicamente e na prática educativa). Que desbloqueie as crispações e remova as trincheiras. Porque não há interesses, sejam os da sobrevivência política do governo ou os da avidez manipuladora de interesses corporativos, sindicais ou partidários, que sejam superiores aos interesses, que deviam ser centrais se não únicos, do Ensino, ensinando as gerações nascentes.  

 

Naquele que se me afigura como o melhor diagnóstico-proposta que li sobre a “crise na Educação”, da autoria de Afonso Mesquita, diz-se (transcrição integral, com a devida vénia):

 

Ímpeto reformista sem capacidade reformista é impotente. Pior, leva-nos de volta ao ponto de partida.

Qualquer reforma tem que ser guiada pela visão de um propósito final. Sem isso, é destituída de sentido. Quem quer conduzir reformas ambiciosas mantém os olhos fixados na meta, não nos obstáculos. Só assim pode mobilizar aliados, neutralizar indecisos e isolar adversários.

É no sentido da transformação pretendida que deve ser centrada a mensagem. O que se pretende conseguir com o esforço proposto? Segue-se o trabalho incansável de doutrinação positiva destinada a desfazer dúvidas e a tranquilizar os destinatários que nada têm a perder com o processo.

Concentrar esforços é essencial. Em primeiro lugar, porque os recursos são escassos; em segundo porque a multiplicação das frentes facilita a constituição de coligações negativas.

Nunca é de mais insistir no problema da escassez dos recursos. Pouca gente dispõe da convicção e da competência necessárias para trabalhar nos detalhes do planeamento, implementação e controlo das mudanças.

Não deve haver nenhum português que não tenha pelo menos um professor na família. Logo, ninguém desconhece o desvario e a incompetência de que quotidianamente dá provas a máquina do Ministério da Educação no seu relacionamento com as escolas. É fácil entender o efeito desmoralizador que isso tem sobre o conjunto dos professores.

Que pode o governo fazer agora?

O afastamento da Ministra da Educação será o fim de José Sócrates. A manutenção da Ministra sem qualquer alteração da sua política será o fim de José Sócrates.

Os maiores erros do Ministério da Educação têm sido: primeiro, a abertura de novas frentes de luta umas atrás das outras sem consolidação prévia dos resultados alcançados; segundo, o amadorismo e a improvisação na implementação das reformas.

Que sentido faz mexer no ensino especial e no ensino musical agora? E que sentido faz introduzir alterações em larga escala de Norte a Sul do país sem primeiro testá-las em situações mais limitadas?

Que sentido faz lançar a avaliação dos professores antes de alterar o sistema de gestão das escolas, se a avaliação não passa de um aspecto parcelar da gestão?

A prioridade do governo deve ser a reforma do sistema de gestão das escolas. É essa a questão decisiva, a peça a partir da qual tudo o resto poderá ser transformado. Além do mais, conta com o apoio massivo dos pais e das autarquias, e nenhum partido político tem argumentos de peso para se lhe opor.

 

A análise aos erros ministeriais cometidos pela espiral da alucinação reformadora está aqui, a meu ver, admiravelmente sintetizada. A caracterização do círculo vicioso em que Maria de Lurdes Rodrigues e o governo se enfiaram e enfiaram o ensino, dificilmente podia ser mais clara. E a proposta final (que aqui se colocou a bold) bate no ponto certo, o de recentrar o pólo de mudança no paradigma de gestão de cada escola, integrando-a na comunidade local, responsabilizando-a por essa obrigação. Que, além do mais, transformaria cada escola em pólo educativo com uma vida dinâmica centrada no progresso daqueles para quem o Ensino existe como objecto, desmantelando a sua posse como fortaleza corporativo-sindical de assalariados que, por muitos méritos que tenham (quando têm), com a necessária consideração para com as suas dignidades e direitos, nunca passarão de servidores (ou, se preferirem, prestadores de serviços), não podendo ser, por isso, os protagonistas exclusivos dos limites e contornos das transformações. A gestão de esforços, a estratégia de mudança, aconselha a que a política de educação proceda a esta “grande transformação”, concentrando-se nela, não se dispersando em tiros em várias direcções, instalando o caos que manieta as reformas e facilita a vida aos resistentes à mudança, normalmente disfarçados de indignados e ofendidos. Por sinal, foi nesta grande questão que a Ministra inicialmente investiu, tudo estragando quando se dedicou, concomitantemente, a burocratizar vectores de mudança e multiplicando os focos de dinâmica que geraram a confusão que desembocou no caos. Para mais, não fazendo qualquer sentido que a “avaliação” se transformasse na pedra de toque da reforma quando a mudança de contexto e de paradigma do Ensino, estava para dar os primeiros passos, oferecendo, assim, o móbil para a bagunça da reacção/inacção que levou à paralisia no impasse.

 

Finalmente, um comentário para o busílis político que está no desfazer do imbróglio a que se chegou. Afonso Mesquita traçou um quadro paralizante do impasse quando escreve: O afastamento da Ministra da Educação será o fim de José Sócrates. A manutenção da Ministra sem qualquer alteração da sua política será o fim de José Sócrates.”. E, aqui, aponho a minha discordância. Se o problema da Educação é para ser resolvido, e esse é o problema político maior, a mudança de rumo pressupõe uma capacidade autocrítica e regenerada em termos tácticos e estratégicos, não havendo arrogante que se credibilize como humilde súbito vindo de uma noite mal dormida. Com esta equipa ministerial, rigidificada, desgastada, desprestigiada, há uma incapacidade endógena de fazer melhor ou sequer de entrar em escolas de cabeça levantada e com autoridade. Será sempre uma equipa que, por falta mínima de prestígio, não impulsionará mudanças e não afirmará liderança. E substituir a ministra e a equipa não colide com a genuinidade da escolha democrática do governo eleito. Foi o PS e o governo que ganharam aos votos, não foi o ministro A nem o secretário B.  

 

Publicado por João Tunes às 14:02
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4 comentários:
De Joana Lopes a 9 de Março de 2008
Acabei de pôr um «post» sobre o mesmo assunto e vi este seu. Mais uma vez em desacordo parcial, caro João...
De João Tunes a 9 de Março de 2008
É a vida, cara Joana. E, sei lá porquê, não vamos ficar por aqui quanto à contabilidade das concordâncias e discordâncias. O que, pela minha parte, em nada diminue o apreço com que sempre leio o que vai escrevendo. Tendo uma coisa como certa: teria de haver um partido não partidário para ambos nele sermos militantes, coincidindo no tempo.

De Augusto a 9 de Março de 2008
Uma manifestação de 80.000 pessoas deve evidentemente fazer pensar o governo mas nunca fazê-lo recuar nas reformas necessárias.
Na minha opinião o elevado número de manifestantes
deve-se em grande medida à grave crise que o país atravessa. A avaliação dos professores foi só o pretexto.
O que é interessante verificar é que actualmente os funcionários públicos e os professores em particular,
passaram a ser um dos bastiões do chamado "partido
da classe operária".
Quando há 30 anos o PCP tinha uma influência real entre a classe operária estes sectores da "pequena burguesia" eram olhados com alguma desconfiança.
Manifestações destas seriam designadas de "radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista". Hoje são o suporte da contestação.
Mas ,mais interessante ainda, é ver L F Menezes a colar-se aos protestos dos professores julgando assim
ganhar algum fôlego.
No fundo estamos a assistir a um braço de ferro político que pouco tem a ver com os verdadeiros problemas da educação e do ensino em Portugal.
Em abono da verdade, há que reconhecer que a ministra e particularmente os secretários de Estado têm demonstrado uma grande inabilidade política, utilizando por vezes gasolina para apagar fogos como
aqui foi referido.
Antes do 25 de Abril Portugal era um "Estado Corporativo" - Ministério das Corporações e Câmara Corporativa, mas infelizmente 34 anos depois continuamos a viver num Estado dominado pelas Corporações. Veja-se a Saúde, a Educação e a Justiça.
O imobilismo sempre foi uma característica da sociedade portuguesa. As Corporações não querem reformas que belisquem os seus privilégios.
O ensino está pela "hora da morte" mas a responsabilidade é de todos os governos (PS, PSD/CDS) que desde 74 se têm empenhado em abrir a cova onde será enterrado o moribundo.
A preocupação dos sucessivos governos foi sempre de não afrontar os sindicatos dos professores e de baixar a fasquia das exigências. Convêm não esquecer que no Ministério da Educação havia cerca de 1300 professores afastados de qualquer actividade lectiva.
A principal preocupação do ministério foi sempre a estatística. Saiba, ou não, ler e escrever o aluno tem sempre garantida a chegada ao 9º ano. Formaram-se gerações de ignorantes de que muitos dos actuais professores são um exemplo. E muitos professores contestatários das políticas do ministério estão mais preocupados com a manutenção do seu estatuto do que com a qualidade do ensino.
Havendo professores competentes e dedicados aos alunos, como há, o que é preciso é acabar com essa vergonha da nivelação por baixo.
Um professor excelente e um incompetente não podem progredir na carreira da mesma forma e ganharem o mesmo. A avaliação do desempenho só pode ser prejudicial para os incompetentes.
Neste aspecto o Governo não pode recuar sob pena de se demitir das suas funções e de pôr em causa qualquer reforma.
Quanto à questão de saber se esta equipa do ME tem condições para continuar não me parece que a sua substituição viesse resolver o problema.
O que temos assistido é um braço de ferro político e não discusão de políticas de educação.
De João Tunes a 10 de Março de 2008
Obrigado pelo contributo. Mas toda a teimosia em manter MLR torna absurda a "queda" de Correia de Campos.

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j.tunes@sapo.pt


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