No editorial do “Avante” de hoje, o PCP explica o seu conceito de coerência que unifica o apoio entusiasmado e acrítico à ditadura cubana que eleva ao altar do “exemplo” (arriscando-se, aqui, a ser rapidamente ultrapassado pela realidade e a fazer figura de “mais papista que o papa”) com o significado da marcha que está a organizar para o próximo sábado (1 de Março) pela defesa da liberdade e da democracia em Portugal (partindo do princípio que, aqui, não na Cuba adorada - a do partido único, da sucessão familiar de presidentes, da ausência de liberdades, dos trezentos presos políticos por delitos de opinião, da miséria e da escassez, da ausência de vida sindical, da repressão a qualquer ajuntamento que possa redundar numa espécie de manifestação, do acesso interdito à Internet -, é que liberdade e democracia estão sob ameaça mortal).
Há, na intervenção do PCP ao longo dos seus 87 anos de vida, uma profunda coerência em todas as questões que têm a ver com princípios e valores que determinam a razão de ser do Partido.
(…)
É essa solidariedade que está contida nas saudações enviadas pelo secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, aos novos presidentes de Cuba e de Chipre, camaradas Raul Castro e Dimitris Christofias – no primeiro caso manifestando «a confiança dos comunistas portugueses no prosseguimento dessa fascinante obra colectiva do povo cubano – a sua revolução socialista – que continua a inspirar e a servir de exemplo a todos aqueles que no Mundo prosseguem a luta pela paz, o progresso, a democracia e o socialismo».
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no próximo sábado vamos para a rua lutar pela liberdade e pela democracia – nós, os militantes comunistas, e todos os que a nós se queiram unir nesta luta que é de todos os democratas.
Claro que alguns ou mesmo muitos dos que vão marchar no próximo sábado em Lisboa ao lado e sob comando de Jerónimo de Sousa, são pessoas crédulas quanto aos valores da liberdade e da democracia. Que estão justamente indignados com os tiques autoritários e autistas de que este governo, repetidamente, dá sinais. E lá estarão sobreviventes da luta contra o fascismo, homens e mulheres que deram o melhor das suas vidas a esse combate e para os quais temos uma dívida de agradecimento pelo regresso de Portugal à vida democrática que lhes permite, nos permite, hoje, manifestarem-se e defenderem livremente as suas ideias e exprimirem as suas indignações. Como é claro que, sendo a democracia uma obra permanentemente inacabada, todas as oportunidades são úteis para exigir, e construir, mais democracia na democracia. Sendo igualmente certo que a democracia não se esgota nas regras da vida política e partidária e que as profundas desigualdades sociais, escandalosas pelos extremos que atingiram em Portugal, são uma expressão inadmissível de falta de qualidade da nossa democracia.
Mas a ideia organizativa desta marcha, o seu evidente sentido manipulador, o cerne da hipocrisia que a sustenta, é, até porque o “Avante” assim o explica, não mais e melhor democracia, não mais liberdades, não menos desigualdades sociais, mas sim a transformação deste sistema e deste regime num processo impositivo e autoritário em que a sociedade se reja por um único e “esclarecido” partido, destruindo liberdade e democracia, nem sequer melhorando socialmente os do meio e do fim da escala social, reproduzindo o “exemplo” que apontam, o de Cuba, a ilha-prisão. Marchem bem com as bandeiras da hipocrisia bem desfraldadas. Experimentem, depois, repeti-la em Havana, pedindo para os cubanos um milésimo da democracia imperfeita de que aqui se queixam. Mas levem bolachas, uns enchidos e, para os que fumam, uns maços de cigarros. Vão-vos fazer falta nas versões Caxias e Peniche dirigidas pelos carcereiros cubanos.
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