Sobre este post, o Pepe comentou com um bem elaborado texto-síntese de exercício do “contraditório” e que passo a transcrever:
“Claro que o futuro lhe pode dar razão, mas parece-me que a experiência democrática turca tem tido desenvolvimentos animadores, principalmente a partir do momento em que o actual partido está no poder. A contradição da república laica e "ocidental" ser defendida/imposta pelos militares sempre foi um elemento perturbador, podendo degenerar rapidamente em ditadura (como já aconteceu mais que uma vez) ou ser posta em causa pelas tendências pró-religiosas que instrumentalizassem o populismo democrático por oportunismo táctico. Ora, a evolução destes últimos anos tem sido positiva: os militares toleram os religiosos no poder, estes fazem da integração na Comunidade Europeia um objectivo prioritário. Entendo que existem razões para a Comunidade manter a Turquia na rota da integração, colocando obviamente as condições que são essenciais e não sujeitas a negociação, ou seja, aquelas que são comuns aos outros países que têm entrado na Comunidade. Provavelmente, estas exigências serão o álibi para os "religiosos" e os "nacionalistas" poderem pressionar os religiosos/nacionalistas puros e duros a aceitarem as reformas ou sujeitarem-se à marginalização política. Que isso levará uma década não me custa a crer, porém todos ganharíamos com um processo tranquilo, evolutivo e irreversível. Nesse sentido, a iniciativa francesa surge como uma provocação de certos sectores para boicotar esse processo, já que não vejo porque há-de a França colocar o tema do genocídio arménio ao nível da acção criminal. Como iniciativa parece-me original, aparentemente gratuita e favorável às reacções dos tais religiosos/nacionalistas puros e duros que agradecem a provocação.”
Vamos por partes.
No que respeita aos argumentos favoráveis à integração da Turquia na UE para que a “intolerância turca” não marque pontos perante a “tolerância turca”, seja equilibrado o jogo de partilha interna de poderes entre militares, religiosos, laicos, modernos e arcaicos, com efeitos num eventual desafogo geo-estratégico favorável e amortecedor nos conflitos democracias-islamismo, não só não os aceito como medida desigual/especial de adesão europeia como entendo que o oportunismo subjacente (também paternalismo?), já precedentemente revelado com a pertença da Turquia à NATO, faz não só baixar a bitola do “comportamento europeu” como se revela discriminatório perante outras nações que estão de quarentena à espera da entrada na UE. Com os mesmos critérios, mesmo sem necessidade de tanta condescendência, porque raio a Ucrânia, a Sérvia e a Croácia (que em todos os aspectos, pesem embora as suas imperfeições internas, estão mais próximos do funcionamento das democracias europeias consolidadas) hão-de merecer tratamento mais exigente que os defendidos para com a Turquia? E segundo critérios geo-culturais-políticos mais mitigados do conceito de Europa, porque será que Israel, Egipto, Tunísia e Marrocos devem ficar atrás na fila relativamente à Turquia? Em todos estes exemplos dados, metê-los “dentro da UE” não preenchia a mesma estratégia, “melhorando-os”, que a pretendida para com a Turquia? A grande diferença, como claramente o disse Pacheco Pereira, não assenta, afinal, numa especial condescendência pró-turca por causa do exército turco e o papel de “Legião Estrangeira” que ele pode desempenhar face ao islamismo agressivo? Parâmetro que, aliás, sempre justificou a sua entrada na NATO e, além de ser um argumento de elogio ao militarismo que repugna como “valor europeu”, lembra outro triste e sombrio exemplo histórico – o da utilização (massiva e decisiva) por Franco para ganhar, na guerra civil de Espanha, a “cruzada” do catolicismo contra a democracia, dos “mouros muçulmanos” transportados de Marrocos.
Quanto à iniciativa parlamentar francesa do projecto de lei de penalizar a negação do genocídio dos arménios, concordo que ela vale pelo seu valor simbólico. Muito discutível, de facto, esta iniciativa dos deputados socialistas franceses. E, indubitavelmente, mais provocatória que consistente. Também comportando o risco de desencadear generalizações e extensões de tipo paranóico. Tanto que é quase certo que ela não vai passar nos seguintes processos de homologação (pelo Senado e pela Presidência da República). Neste domínio, convém, no entanto, ter em conta dois factores atenuantes e parcialmente justificativos – primeiro, é um gesto de honra e homenagem perante as centenas de milhares de descendentes da diáspora arménia que se refugiou em França em fuga do genocídio pelos turcos; segundo, esta lei essencialmente provocatória, por absurda, evidencia outro absurdo homólogo vigente e que os círculos pró-turcos tendem a esquecer ou fingir que esquecem (o célebre artigo 301 do Código Penal turco que pune com prisão quem, na Turquia, ofender a “identidade turca”, ou seja, lembrar os genocídios e perseguições contra arménios, curdos e cipriotas).
Escuto.
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