Segunda-feira, 12 de Abril de 2004

À ESPERA DO SINAL DO AURORA

lebedev-army[1].jpg

A orientação veio rápida e sem margem para hesitações. Chegou a Hora. Tudo ia estar em jogo para se ganhar ou se perder. Não havia lugar para meias tintas. Ou se ia para o socialismo puro ou se regredia para a longa noite. A sentença estava traçada. Portugal tinha a sina do tudo ou nada, democracia parlamentar burguesa é que não tinha cá cabidela. Aquecida a luta de classes, a solução estaria agora nas espingardas e não nos votos. Pois, 1917 em Petrogrado, 1948 em Praga, etc e tal. Ou nós ou eles.

A instrução era para se saber rapidamente quem tinha feito a tropa mais a guerra e qual a especialidade castrense. Levantamento feito, pelotão constituído. De trinta e um de boca mas era o que se podia arranjar. É esta noite. Mais vale improvisar e atamancar que perder o comboio expresso da história. Vamos a isso. É esta noite. Ou nós ou eles.

Os pelotões improvisados são encaminhados para uma Escola Primária em Marvila. No escurecer, as sombras dos vultos movem-se. Senhas e contra-senhas. A sede do PS local inquieta-se com a proximidade dos movimentos. O que é isto? Há emboscada? E lá teriam as suas informações da outra banda. Montam-se vigilâncias reforçadas dos dois lados. Vultos para cá, vultos para lá.

No ginásio da Escola, aguarda-se. Esperar, aguentar. As armas de Braço de Prata vão chegar a qualquer momento, fresquinhas e prontas a disparar socialismo. Depois era só saber-se onde ficava o Palácio de Inverno a conquistar. Esperando o sinal do cruzador Aurora das terras lusitanas. E avançar. Os caboucos do Exército Vermelho lusitano estavam metidos dentro do terreno. Melhor, enterrados naquela Escola Primária de Marvila e noutras trincheiras. Os dirigentes sabem o que fazem. São revolucionários experimentados, isto para eles é o b, á, bá. As horas passam. E ouvem-se os barulhos dos movimentos dos gajos do PS. Surgem os primeiros sinais de impaciência. O camarada que devia entender-se com a bazuca quer ir para casa porque tinha a mulher em polvorosa. Aguenta que isto está quase. Não vais ficar fora do retrato do momento decisivo da história do proletariado português. Não aguento nada, vou para casa, senão não consigo aturar a mulher. Calma, isto está por pouco. Vamos trocar as voltas aos gajos que se deixaram embalar com a história da retirada da ditadura do proletariado do programa. A burguesia vai ver como elas lhe mordem. Antes que nos mordam a nós. Agora só se pode ganhar ou perder. Não há direito a empates. Está mesmo a chegar o material de Braço de Prata. Depois é que vão ser elas. Ou nós ou eles.

Lá fora, na escuridão, só se ouvem os barulhos dos gajos do PS. A nova ordem chega, malta, é preciso é calma, vamos todos retirar em grupos e sem dar nas vistas. Não é desta. Aqui não esteve ninguém. Ou, então, foi só um convívio de solteiros e casados. Fica para a próxima. Não há relógio que marque a hora da revolução. O que é preciso é que não lhe faltem a corda ou as pilhas. A ocasião soará. Mas não é desta. O camarada da bazuca é o primeiro a zarpar direitinho a tentar recuperar o sossego da mulher. Os outros vão saindo, evitando passar junto aos gajos do PS de Marvila. Pensa-se que os camaradas de Braço de Prata devem-se ter cortado. Mas se eles se baldaram, houve muitas mais baldas. Se calhar, foi o proletariado que tinha mais olhos que barriga. Ou então, os revolucionários profissionais da vanguarda tinham a lição mal aprendida com pressas demasiadas.

Demorou montes de tempos até perceber quanto foi bom para a democracia e para todos, nós e eles, que as tais armas de Braço de Prata não tivessem chegado até à Escola Primária de Marvila em 25 de Novembro de 1975. Como é que o camarada da bazuca se ia concentrar com a mente perturbada pelo desatino do raio da mulher?











Publicado por João Tunes às 18:04
Link do post | Comentar

j.tunes@sapo.pt


. 4 seguidores

Pesquisar neste blog

Maio 2015

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

Nas cavernas da arqueolog...

O eterno Rossellini.

Um esforço desamparado

Pelas entranhas pútridas ...

O hino

Sartre & Beauvoir, Beauvo...

Os últimos anos de Sartre...

Muito talento em obra pós...

Feminismo e livros

Viajando pela agonia do c...

Arquivos

Maio 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Junho 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Junho 2012

Maio 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

Links:

blogs SAPO