Transcrevemos, com a devida vénia, uma reflexão de Mário Beja Santos, conhecido especialista em consumo e consumidores, sobre a blogosfera (a versão integral do texto pode ler-se aqui):
Primeiro, uma parte determinante do modo como vemos o mundo é hoje estranha às nossas experiências. Uma notícia da televisão não é comandável por nós e quando nos indignamos (…) é "por termos ouvido dizer". Antigamente também era assim (toda a mitologia nasce de uma narrativa de alguém que conta um conto e acrescenta um ponto).
Os media estabelecem a priori onde vão concentrar a atenção do público, o que pode levar um governo ou um gabinete de imprensa afecta ao governo a gerar factos novos que distraem a atenção dos diferentes públicos enquanto leis impopulares passam praticamente despercebidas. Um líder político pode fazer de manhã uma declaração bombástica que leva a reacções monumentais inesperadas, à noite dá parcialmente o dito por não dito, e no dia seguinte repõe uma parte da verdade, introduz elementos clarificadores e apresenta-se como vítima de interpretações soezes. Qualquer estudioso de comunicação conhece o elementar destas técnicas de manipulação.
Segundo, os blogues não têm nada a ver com esta realidade. Constituem o acesso mais simples e natural em que se oferece a um auditório uma partilha de opiniões e conhecimentos. (…) Ao contrário do negócio dos media, por detrás de cada blogue está um indivíduo e o seu ponto de vista específico sobre o mundo.
Quando fui entrevistado sobre a decisão do actual governo em liberalizar os locais de venda dos medicamentos não prescritos, no dia seguinte fui massacrado e elogiado em vários blogues. É essa a missão da blogosfera: cada um publica a sua opinião sob a forma de breve comentário, artigo ou mesmo ensaio. Lançado no digital, os outros bloguistas fazem acrescentos, comentam ou fazem links ou mandam mails. É um mecanismo espontâneo em que uns filtram os conteúdos, outros produzem material novo de acordo com o sistema de leitura.
Terceiro, o sistema bloguista é muito rico, pela generosidade que instala, pelo turbilhão de contactos que fomenta, pela abertura às regras de conversação e por ninguém mandar
Atenção que a blogosfera não é inofensiva, como os acontecimentos do 11 de Março em Espanha o demonstraram. O bloguista conhece as potencialidades da Rede e as suas conexões: sms, chats, sistema de mensagens, blogues e os demais instrumentos de comunicação que nos conectam. Então não é verdade que um senhor em França garante que Osuma Bin Laden está morto porque viu em blogues que lhe merecem confiança? Este ponto remete-nos para a questão do capital cultural e a especialização a que chegou o blogue.
Imaginem vocês que ando à procura de uma edição do Monte dos Vendavais de Emily Brontë, com prefácio de Albert Camus, edição da Portugália, início dos anos 60. Este livro faz-me presentemente falta para outra conversa que estabeleço no blogue (…). Pois pode acontecer que outro bloguista generoso lance o apelo através de links ou mails e a certa altura me escreva e me diz assim: "Eh pá, não estejas num sufoco, tenho aqui o livro para te emprestar" (oxalá que isso acontecesse...).
Somos uma comunidade cognitiva mas também emotiva e confiamos que a nossa opinião precisa de ser efectivamente pública. No blogue, o que dizemos diz respeito a toda a colectividade, somos cúmplices na memória e na revisitação da nossa camaradagem. Mesmo que não escrevamos para o blogue, estamos dentro da atmosfera daquela sala e podemos dar o nosso palpite.(…)
Quarto, os blogues tendem para a perícia. (…)
Quinto, a blogosfera não é informação mas pode gerar informação. A partir do momento em que o bloguista é sujeito e discursa na praça pública onde gera alfabetização digital, a sua narrativa e os elementos que depõe podem ser, ou não, utilizados como jornalismo. Mas jornalismo e blogue são duas coisas distintas. Um jornal tem editor, fontes oficiais, reuniões diárias do corpo redactorial, é matutino, vespertino, hebdomadário. No blogue não é assim: eu não mando mas falo sempre por mim, sou eu a própria fonte de opinião e estou sempre motivado pela satisfação pessoal.
A mediaesfera (televisão, rádio, imprensa escrita...) pauta-se por regras de eficiência e age de acordo com os interesses económicos, a palavra remuneração tem o poder de uma alavanca. Nós aqui no blogue só recebemos a gratificação de nos sentarmos no anfiteatro e darmos os bons dias ou as boas noites. Somos indivíduos e não uma organização que deliberadamente vai mexer com a informação. Por isso, como diz Giuseppe Granieri, o blogue é uma nova aventura para o jornalismo.
Sexto, somos uma nova forma de participação popular, estamos juntos sem necessitar de exibir o nosso bilhete de identidade cultural: aqui não manda ninguém, chegámos por afecto, e se perdermos a transparência acontece-nos a pior das punições, que é o descrédito de ninguém nos prestar atenção. Como não se pode prever o futuro, é inútil fazermos prognósticos sobre o nosso lugar na Internet. Mas há depoimentos animadores. Ségolène Royal, que talvez venha a ser eleita Presidenta da República Francesa, escreveu um dia: "Levei toda a campanha eleitorial a fazer fóruns. Quando falamos com as pessoas, ao fim do dia estamos cansados mas cheios de ideias. Se continuamos a fazer política só entre nós, nunca chegaremos a nada". O nós também somos nós. De uma coisa estou certo: se os blogues evoluírem, nós (…) assentaremos acampamento numa outra esfera digital.
OS MEUS BLOGS ANTERIORES:
Bota Acima (no blogger.br) (Setembro 2003 / Fevereiro 2004) - já web-apagado pelo servidor.
Bota Acima (Fevereiro 2004 a Novembro 2004)
Água Lisa 1 (Setembro 2004 a Fevereiro 2005)
Água Lisa 2 (Fevereiro 2005 a Junho 2005)
Água Lisa 3 (Junho 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 4 (Outubro 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 5 (Dezembro 2005 a Março 2006)