Quarta-feira, 9 de Junho de 2004

CHICO FEIO (um moçambicano já falecido)

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"Em Angola, os torturadores de presos, como estes próprios fizeram questão de sublinhar, eram todos brancos. Não aconteceu assim em Moçambique, onde os responsáveis pelos interrogatórios encontraram negros capazes de fazer o trabalho sujo."

"Um dos nomes que ressalta dos relatos de presos é o de Francisco Langa. Guarda prisional, com um metro e noventa e cinco de altura e mais de cem quilos de peso, era o torturador oficial da PIDE. Das oito horas da manhã até ao meio dia, Chico Feio batia sem se cansar. Transpirava, mas batia sempre e com a mesma intensidade. Começava nas dez palmatoadas e podia ir até às cem ou até mais, tudo dependia dos humores de Chico Feio, dos inspectores que comandavam as investigações e dos agentes. E dependia, também, do facto de o preso, ao receber as palmatoadas, chorar muito ou pouco."

"Se chorasses pouco e tivesses coragem para aguentar, aí apanhavas até chorares de verdade, conta Albino Magaia. Este jornalista moçambicano, antigo preso político, conta como era um interrogatório feito com a ajuda de Langa:"

"Agente - Ó Chico toma conta deste terrorista da FRELIMO."

"Chico - Pronto meu agente (dirigindo-se ao preso). Tu levanta-te, põe-te em sentido e dá-me as mãozinhas. Eu disse em sentido! Abres as pernas como se estivesses no Scala, heim? Estica essa mão, meu amigo. Se não esticas, vou-te aleijar. Assim mesmo. Estás a ver? Isto é só para começar. Mas tu vais ser bom, não vais? Meu filho, és tão novo e já não tens juízo."

"Preso - Ai, minha mãe!"

"Agente - Chega-lhe Chico. Faz o gajo chorar em landim. "

"Chico (redobrando de esforços e insultos) - Isto é só para começar, meu agente. (E dirigindo-se ao preso) Quando chegar a FRELIMO vocês vão-me matar, não é? Antes da FRELIMO chegar, eu vou-te matar a ti, mas é. (Bate indiscriminadamente no corpo do preso. Martela. Pontapeia. Dá cabeçadas.)"

"Preso - Yô mamanô! Yowê! Yoweê!"

"Agente - Pronto, Chico. Agora já está. Estes tipos quando choram em português, não estão a sentir nada. “Mamanô” já está bem…"

"E mais adiante:"

"Agente - Cuidado Chico, que esse gajo morre."

"Chico - Era menos um, meu agente. Já não nos dava mais trabalho."

"Francisco Langa acabaria morto pela população, após o 25 de Abril."

"James Filipe Guambo, que estudou na África do Sul onde pertenceu à juventude do ANC, procura as ossadas de seu irmão, Ebenizário Filipe Guambo, sociólogo e vice-presidente do Centro Associativo dos Negros de Moçambique, que consta ter sido assassinado com torturas por Chico Langa, e não sabe onde foi sepultado. E comenta:"

"O Chico Feio quando foi do 7 de Novembro e saiu de Machava, onde estava preso, pensou que voltara tudo ao antigamente, que voltava ao poder. Acabou morto pela população. Se esse indivíduo tivesse ficado vivo, muita coisa se poderia saber. A população não ajudou a fazer História."

(do livro A Pide/DGS na Guerra Colonial – 1961-1974, Dalila Cabrita Mateus, Ed. Terramar)

Adenda:

Uma visitante e comentadora (a Teresa) refere a dúvida sobre a data da libertação dos pides presos em Moçambique (incluindo o Chico Feio). De facto, a Teresa terá toda a razão: 7 de Setembro de 1974 e não "7 de Novembro". No entanto, é "7 de Novembro" que vem no depoimento recolhido pela historiadora. Como fiz uma transcrição, não quis mexer na data. Mas fui confirmar com outras fontes e elas dão toda a razão à Teresa. Fica agora a correcção como sublinhado de rigor que não se pode perder quando se trata de História. Os meus agradecimentos à Teresa e as minhas felicitações pela sua boa e arguta memória.





































Publicado por João Tunes às 15:14
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