Quinta-feira, 29 de Julho de 2004

PERA DOCE ?

santana-lopes.jpg

Em política, muitas vezes é fatal tomar os desejos por realidade ou generalizar aos outros a nossa percepção, as nossas simpatias e antipatias.

Quantas vezes as nossas emoções, assentes nas nossas crenças, esquecem que os outros também se regulam por emoções e por simplificações para se orientarem, transformando a política num jogo de afectos.

Sobre Santana Lopes, parece-me que a esquerda vive num jogo de engano. A debilidade estrutural da pessoa política, o seu nítido desajuste para a função e para a responsabilidade, a vacuidade de pensamento, levam à atracção fatal pela sua subestimação como fenómeno durável. O que pode ainda ser agravado pela fragilidade da sua legitimidade para o cargo em que está investido. Tudo isto se casando como propício a considerá-lo um mero epifenómeno.

A forma como Santana Lopes cumpriu o seu desempenho na Assembleia da República revelou a sua fragilidade política. Elas foram mais que evidentes. Mas revelaram aspectos novos na vida parlamentar e na luta partidária – a não agressividade no relacionamento e a sinceridade a mostrar as suas debilidades. Aquela orfandade de maturidade e de capacidade para a função, foi exposta com uma candura quase apelativa de quem não sabe bem como foi ali parar mas com enorme gosto pessoal por ali estar.

Para os entendidos, é claro que aquilo não engana, os grandes mestres dos jogos de interesses revigorados nesta recomposição governamental estão lá, atrás dele, com ele, com uma força nunca vista. Parece haver ali um compromisso táctico – Santana Lopes faz o papel do inocente, os pesos pesados dos interesses instalados fazem aquilo para que lá estão.

A oposição corre o risco de ter de jogar o jogo que mais interessa às forças governantes: concentrar na fragilidade de Santana Lopes os ataques e a agressividade, corroendo-o na sua representação de poder. Porque, aqui, em termos de sensibilidade comum e maneira de ser antiga, o efeito é bem capaz de ser contrário ao pretendido, despoletando simpatias até paternais para com o “rapaz”. Não tenho dúvida que a grande maioria dos portugueses preferirão a bonomia e infelicidade de Santana Lopes à radicalidade gritada da denúncia martelada. E excessos de agressividade e de tentativas de meter Santana Lopes no ridículo, exercidas por líderes alternativos (para mais, com credibilidades em baixo), poderá levar muitos a penderem para uma atitude de defesa do Primeiro Ministro, bastando que ele saiba gerir convenientemente a vitimização e a denúncia dos excessos. No meio das suas muitas dificuldades, nestes aspectos, Santana Lopes já demonstrou que se mexe como peixe na água.

O primeiro sinal será dado pelas próximas sondagens. Veremos se elas trazem surpresas ou não. E se se confirma a facilidade que alguns anteviam na capacidade de lidar com o populismo, desmontando-o. Ou seja, se a deslocação do político para o afectivo, é ou não um complicadíssimo problema da democracia.

Tanto que gostava que estivesse rotundamente enganado.















Publicado por João Tunes às 18:56
Link do post | Comentar

j.tunes@sapo.pt


. 4 seguidores

Pesquisar neste blog

Maio 2015

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

Nas cavernas da arqueolog...

O eterno Rossellini.

Um esforço desamparado

Pelas entranhas pútridas ...

O hino

Sartre & Beauvoir, Beauvo...

Os últimos anos de Sartre...

Muito talento em obra pós...

Feminismo e livros

Viajando pela agonia do c...

Arquivos

Maio 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Junho 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Junho 2012

Maio 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

Links:

blogs SAPO