Sexta-feira, 30 de Maio de 2014

Um pouco de Pavel sabendo a muito pouco

 

O livro de Edmundo Pedro sobre a figura de Pavel (ontem apresentado publicamente em Lisboa), editado pela Parsifal, suscitou-me, quando da sua leitura, uma série de sentimentos contraditórios.

Por um lado, avulta a grandeza da figura de Pavel a par do efeito de tremendo absurdo do seu desconhecimento por parte da grande maioria dos portugueses, atingindo o patamar do absurdo trágico-maquiavélico na medida em que o desconhecimento de Pavel é consequência de uma estratégia de premeditado silenciamento por parte da máquina partidária mais eficiente e mais experiente a silenciar factos e figuras históricas (o PCP), constituindo uma das heranças vivas do estalino-cunhalismo. E, nesse sentido, o livro de Edmundo Pedro tem um valor de rectificação e justiça histórica para o qual não há encómios poupáveis.

Entretanto, e à medida que se avança na leitura do livro, as suas fragilidades sobem á tona. Afinal, Edmundo Pedro só conheceu Pavel na juventude de ambos, ou seja, antes do ostracismo de Pavel consumado pelo Komintern e pelos seus rivais no PCP e em duas fugazes visitas que o antigo dirigente do PCP fez ao nosso país (mas já em fase de auto-silenciamento) após 1974 e já tendo entrado este na sua velhice. Infelizmente, no que falta a Edmundo Pedro de conhecimento directo dos factos escondidos no “mistério de Pavel” (aquilo que revela já J P Pereira havia, grosso modo, escrito na sua biografia de Cunhal), sobra em sentimentalismos e em recurso a exageros e espraiamentos quer em polémicas mal conseguidas e um pouco indecentes (como a inútil contestação, com alguns remoques ofensivos à mistura, a Ludgero Pinto Basto, já falecido) como ainda em exageros em insinuações de subjectividade evidente sobre o papel de Cunhal na ostracização de Pavel. Felizmente, o livro termina com um belíssimo texto da filha de Pavel (Zinia Rodriguez) que nos dá os contornos da obra intelectual e artística de Pavel na sua segunda identidade criada e desenvolvida no México. Isto embora, infelizmente, Pavel, na sua vida mexicana, não tenha partilhado com a família a reflexão sobre a sua trajectória política (excepto, talvez, o seu choque e desgosto perante a revelação dos crimes do estalinismo no XX Congresso do PCUS), pelo que o texto de Zinia inserido neste livro é centrado na figura do intelectual Rodriguez (o segundo Pavel) e nada adiante sobre o apagamento, por comunistas, de um comunista eminente e heróico. 

Fechado o livro, a sensação dominante que fica é a da contradição viva inicialmente referida. A satisfação perante um acto de justiça histórica e pela oportunidade bem conseguida do labor editorial da Parsifal. E a contrariedade impaciente por o labor de uma escrita dedicada a Pavel não ter sido cometida, suportando-se naturalmente também da memória e das dicas de Edmundo Pedro mas investigando muito para além daí, a um historiador capaz de lidar, equilibradamente e distanciadamente, com os factos em apreço. Resumindo: com este livro, Pavel deu “um sinal de vida” saindo do túmulo do esquecimento em que o quiseram sepultar mas falta ainda a façanha de o recuperar, na sua grandiosa dimensão, para a história do combate político em Portugal e no mundo durante o século XX.

Publicado por João Tunes às 16:39
Link do post | Comentar
1 comentário:
De Fernando Oliveira a 10 de Agosto de 2014
Partilho completamente a sua opinião sobre o livro de Edmundo Pedro sobre o Pavel e subscrevo também o que refere em relação à reabilitação do grande revolucionário comunista.

Aproveito também para lhe pedir, João Tunes, que deixe neste seu blogue, um apelo a eventuais possuidores do livro do Raimundo Narciso " Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via" que estejam na disposição de o vender.
Ando há anos à procura de um exemplar e não o consigo encontrar.
E gostava muito de o ler.

Saudações.

Fernando Oliveira
ferol@vodafone.pt

Comentar post

j.tunes@sapo.pt


. 4 seguidores

Pesquisar neste blog

Maio 2015

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

Nas cavernas da arqueolog...

O eterno Rossellini.

Um esforço desamparado

Pelas entranhas pútridas ...

O hino

Sartre & Beauvoir, Beauvo...

Os últimos anos de Sartre...

Muito talento em obra pós...

Feminismo e livros

Viajando pela agonia do c...

Arquivos

Maio 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Junho 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Junho 2012

Maio 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

Links:

blogs SAPO