Se Jerónimo, num intervalo entre um charme público e uma reunião para planificar as próximas lutas, na véspera de um treino de baile de salão e a seguir a um jogo de matraquilhos na Sociedade Recreativa de Periscoxe, tiver tempo para ler as edições avante, talvez pare para pensar nas lições de um livrinho da sua Casa e dedicado à história do Barreiro (*). Até porque o livrinho é perfeitamente acessível a qualquer autodidacta. Por exemplo, vejamos estas passagens:
Não restam dúvidas, os anos de ouro da luta dos ferroviários do Barreiro (muitas vezes englobada num âmbito nacional) correspondem à acentuação da corrente sindicalista-revolucionária (ou anarco-sindicalista) na Associação de Classe e depois no Sindicato. A partir de 1917, foi dirigida por Miguel Correia e António José Piloto, que promoverão em 1919 a edição de Sul e Sueste, órgão de informação e de mobilização da classe.
Assim organizados, os homens dos Caminhos de Ferro do Estado participam numa grandiosa greve, em Novembro de 1918, contra a carestia de vida e por melhores salários. Luta dura e prolongada, com sabotagens, repressão feroz, prisões, despedimentos, espancamentos, enfurecendo os trabalhadores e desacreditando cada vez mais os partidos do poder republicano. Esta viragem gradual contra a política democrática, inciara-se nos graves incidentes de 1914, durante uma greve tumultuosa na CP, ferozmente reprimida em Lisboa. Lembrar que, em 1910, uma das profissões mais republicanizadas era a dos homens da ferrovia.
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Dando uma imagem nítida do descrédito do poder republicano junto dos ferroviários (e não só) o Sul e Sueste, em 1921, dizia: «Em dez meses, em pleno regime republicano, tem havido mais opressão e tirania do que em dezenas de anos de monarquia.». Passe o exagero da afirmação, porque no antigo regime não havia a dinâmica de luta do tempo em questão, talvez assim se compreenda a razão pela qual os ferroviários fizeram greve local de apoio ao golpe de Estado de 28 de Maio de 1926.
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Quando surge o 28 de Maio de 1926, o líder dos ferroviários do Barreiro, Miguel Correia, que já estivera quatro vezes preso nas cadeias da República, negociou um compromisso com os revoltosos, prometendo-lhes a paralisação do tráfego normal e todas as facilidades para o transporte de tropas. Esta colaboração era prestada mediante uma lista de reclamações apresentada aos chefes em Lisboa (comandantes Mendes Cabeçadas e Gama Ochoa).
Terão os sindicalistas libertários pensado que a situação política era tão má que para pior já não era possível mudar?
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Esperanças vãs, desilusão amarga, terão sido os sentimentos dos trabalhadores das ferrovias em relação à ditadura militar, quando o Sul e Sueste ficou sujeito a censura prévia (como todos os jornais sindicais) e Miguel Correia foi novamente preso em Setembro de 1926 e deportado para Cabo Verde (e mais tarde para Lourenço Marques).
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Nas condições da ditadura, a hierarquização rígida, o controlo opressivo e uma repressão constante, sobretudo nas Oficinas, sufocam os trabalhadores, espartilhados num sistema interno de vigilância e denúncias, patrocinado ao longo dos anos por sucessivos chefes todo-poderosos, autênticos títeres do regime (Rui Ulrich, Fernando de Sousa, Raul Esteves, Mendia, Bruschi, Garcia, Adragão, etc.)...
Nos anos da guerra de Espanha, as forças da situação estiveram particularmente activas entre os ferroviários, recrutando para as lanças da Legião Portuguesa, denunciando e perseguindo os subversivos, que incluíam os republicanos do reviralho, deificando o ferroviário Nº 1: «Salazar manda, os ferroviários obedecem!».
(*) Barreiro, uma história de trabalho, resistência e luta (parte IV), Armando Sousa Teixeira, Edições Avante.
Imagem: Do livro citado, a foto é de um grupo de trabalhadores ferroviários do Barreiro, início do Século XX, onde os pequenitos aprendizes da frente seguram um dístico onde se escrevera: «Viva os Operários e o Nosso Chefe».