Muitas vezes, a persistência dos bloqueios ideológicos e os becos-sem-saída na política, fazem-se de ideias feitas que, de tão repetidas, não são repensadas nem a isso convidam. São os chavões que alimentam o marcar-passo e que só são úteis aos que vivem precisamente dos juros rendidos pelo ressentimento da lamúria transformado em razão de ser e de lutar.
Ontem a ouvir a entrevista do novo Secretário-Geral do PCP na RTP 1, tive a sensação insólita de que, para aquela esquerda, todo o futuro está nos velhos tempos das velhas fábricas, da velha exploração, da velha luta contra ela, nas velhas colectividades de recreio, nos velhos bailes de bombeiros, nos velhos fados castiços com letras de poetas analfabetos, nas velhas verdades simples depois de simplificadas, na releitura da obra curta de Soeiro Pereira Gomes, dos Dez Dias que abalaram o Mundo e da Mãe de Gorki, nos panfletos clandestinos metidos no bolso, na glória do primeiro Primeiro de Maio, nos doutores a ensinarem matemática a operários, nos engenheiros a aprenderem com os operários, nos juristas a retocarem a oratória nas negociações do contracto de trabalho, nos economistas a decifrarem relatórios e contas a delegados sindicais, na pintura do pano para a próxima manifestação, na organização da escala para o restaurante da concelhia na próxima Festa do Avante. Enquanto o mundo não para, mas avança.
E pensei nas camadas sociais que aquele Secretário Geral quer dirigir, empurrando-as para a fixação numa realidade desaparecida, congelando-as no frigorífico da saudade. Assim, entregues a si próprias pela voragem de enormes transformações sem lei nem piedade, vítimas cada vez mais da promiscuidade entre interesses e governação, e da vaga neo-liberal liberta de constrangimentos de alternativa política de esquerda que ataque os problemas, construindo futuro com as pessoas lá dentro.
Serviu-me de algum consolo constatar que há quem pense e repense, pondo os dedos nas feridas, ou apelando a isso. Obrigado João Abel Freitas, por
isto, mais
isto.