O frio abranda. A chuva, simpática como não é costume, ficou-se pelas nuvens. Bandos de adolescentes cambaleiam e gritam em cachos, tentando correrias que resultam trôpegas, agarrados a garrafas, sabendo, e querendo-o, que daqui a nada vão cair num banho de vómito e uma ambulância diligente os irá levar a uma urgência sempre a postos. Os olhos estão fixados, por cima dos narizes espetados para o céu cor de chumbo, no ponteiro de um relógio que tem a mania de vaidade de que ainda dá horas ao mundo. Os polícias mostram as fardas e os sorrisos de severidade indulgente. Os semáforos, na zelosa inutilidade burocrática de todos os serventuários mecanizados, continuam as mudanças das cores. Beneméritos sorridentes recolhem donativos para as vítimas de um maremoto que teve epicentro muito longe, chocalhando baldes para fazer tilintar moedas a pedir companhia. O relógio junta os ponteiros. Já está. Grita-se, abraça-se, beija-se. Bebe-se mais. O fogo de artifício pinta a céu do Tamisa de todas as cores que brilham. A multidão, burocraticamente, cumpre o ritual da deambulação, em rebanho, até Trafalgar Square e Picadilly Circus. As ambulâncias não param, tantos são os corpos caídos a precisar de recolha. Mas ainda vão sobrar uns tantos para gozo do frio da noite. Só os bêbados, os muitos bêbados, profundamente bêbados, não sabem que já estão em 2005. Mas estão. Estamos todos.