Sábio é o que tem a arte de saber sentindo, fugindo aos lugares comuns, frases feitas e até ao discurso, conseguindo-o inclusive no pretexto tão difícil do 25 de Abril. Eu comemorei a data a escolher sábios espalhados por aí. E deu assim:
Um:
O cidadão só não é naturalmente e por obrigação um político quando convive com uma ditadura, mas isso o 25 de Abril tirou todas as desculpas de se brincar às escondidas depois de adultos, entre adultos.
Dois:
a democracia é coisa que está sempre em obras, o que é uma chatice. Mas mais vale viver entre andaimes do que entre grades sejam de ferro ou tão só tecidas de medo. E é isso que não é fácil de ensinar a quem nessa altura tinha dez, doze quinze anos para já não falar nos outros ainda mais novos. E todavia foi por eles, para eles que alguns se arriscaram. Não estou a pedir grande meditação sequer um minuto de silêncio. Prefiro mesmo que o dia tenha sido passado como qualquer outro feriado porque isso é o verdadeiro sinal da vitória: viver na normalidade.
Três:
Acordaste-me, cedinho, para a notícia. Ainda ouço a chave na porta, a tua voz. Ainda vejo o teu casaco azul. Saímos para a rua. O dia estava parado. À espera. Na faculdade, aproveitámos para suspender as aulas. Fomos para a Praça, à procura de notícias. A rádio passava música sinfónica. Qualquer pessoa com mais de dezoito anos percebia que era música fascista. E que os fascistas estavam aflitos.
deixei há alguns anos de ir à festa a cada 25. Mas continuo a falar do 24, pois assim a urgência fica mais fácil de entender. E a falar também daquele tórrido 26, no qual uma outra urgência continuava na rua e jamais dormia. Talvez assim, para quem o não viveu, ou para quem dele se vai esquecendo, Abril possa fazer algum sentido.
Salgueiro Maia já morreu, mas não é por ter morrido que o prefiro aos cravos. É que, por muito que ele gostasse deles, dos cravos, e eu disso não sei, nunca lhe vi nenhum cravo na sepultura. E a essa, à sepultura, vi-lha.
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