Não sei se o que Tomás Vasques (cuja aversão por Manuel Alegre é antiga e bem conhecida, honra lhe seja feita) escreveu e acima se transcreve reflecte o sentimento do aparelho dominante no PS. Parece-me que sim mas como estou de fora, também honra me seja feita, não tenho, e por isso não uso, certificado de garantia. Mas se a estratégia dúplice e cínica apontada não surpreende, o que diz muito da forma actual como o PS vê o actual momento social e político, em que as lapas socialistas agarradas ao poder não querem sair da órbita cavaquista (o núcleo do centrão), restando-lhes iludir as responsabilidades pelas opções, esta não é uma má notícia. Pelo contrário. Porque há ursos que são de papel, normalmente pardo, que em vez de cortarem respirações, trazem oxigénio de autonomia. E, neste momento, um abraço demasiado camarada do aparelho do PS, sobretudo do seu inepto, desgastado, classista e impopular governo, seria o pior que poderia acontecer à candidatura de Manuel Alegre. Contra Cavaco Silva, formal e cinicamente apoiado pelo PS (o que inibe um estribilho usado contra ele na campanha anterior, o de ser “um candidato contra o PS”), Alegre ganha espaço político para a mobilização e batalha política presidencial. Assim a esquerda, que até hoje só perdeu uma eleição presidencial, traga o movimento e a campanha de dentro das igrejas e das suas sacristias, para o adro do povo que sofre o centrão prolongado que se alimenta de uma sociedade desigual em perpétuo acentuar das desigualdades.
(publicado também aqui)
Um dos “impacientes gregos” (supõe-se que a esta hora já tenha o molotov artilhado e pronto a atirar, ou então, em alternativa, esteja munido de máquina fotográfica, boné e garrafinha de água mineral fresca):
Que o próximo dia 29 seja o primeiro passo para responder afirmativamente ao chamado grego:
(também publicado aqui)
Sim, claro, queridos camaradas. E da Cova da Beira já me avisaram: está a chegar “le temps de cerises”. Também o sirvo aqui em forma de licor, com Nana Mouskouri e Charles Aznavour. Em colectivo, fica melhor.
Óscar Mascarenhas escreveu no JN um texto claro e cortante:
Pobre e desempregado são o que os ianques chamam 'losers', derrotados. Ficam de fora do condomínio das carroças.
No fundo, a burguesia projecta no pobre o comportamento que teria se estivesse na condição deste: antes de ser 'loser', faria batota, fugiria aos impostos a que ainda não se atreve a fugir, roubaria se fosse preciso.
A burguesia não tem a lucidez e os seus líderes não têm a honestidade de identificar os culpados - os ricos - das suas tribulações: a burguesia, por idolatria aos 'winners', os vencedores; os seus líderes, por respeito de capataz a quem manda neles.
Começou Paulo Portas com a cruzada contra o rendimento mínimo, pintando os seus beneficiários (?) como vadios, calaceiros, ladrões da coisa pública. Por isso, exige que a verba seja paga em géneros, não vá o malandro gastá-la em vinho ou tabaco. Percebe-se: na sua base de apoio na 'lavoura' e nas empresas, sabe-se como certos subsídios são convertidos em jipes, iates ou fundos em 'off-shore', com a diferença de que cada um destes desvios vale por milhares de subproletários que recebam ilegitimamente o óbolo; e com a outra diferença de que estes são espiados e denunciados pelos seus iguais.
Para não ficar atrás, Pedro Passos Coelho inventou o trabalho comunitário gratuito para o desempregado. Só para humilhar: porque hão-de os jovens burgueses, quando se embebedam e espatifam o automóvel, ter de cumprir horas de serviço comunitário por sentença do tribunal e o malandro do ocioso não há-de estar ali também, para que aprenda?
Mas pode-se ir, quanto ao culto sobre os “winners” e a subsequente depreciação dos “losers”, mais longe que as ideias curtas e eleiçoeiras, imbuídas de terrorismo de classe, de Paulo Portas e Passos Coelho. A enorme histeria idólatra e de massas para com José Mourinho - uma espécie, noutra escala, do António Mexia (este não isento, como acontece para Mourinho, de juízos públicos e críticos sobre as enormidades dos ordenados, mordomias e prémios) do futebol -, expoente máximo dos neo-cons do desporto, é um caso sério de difusão na cultura das multidões da selvajaria do culto pelos “winners”, sustentada pelos barões da burguesia dos grandes clubes mas que espanta, envolve e projecta os adeptos, mesmo os mais “losers” em termos sociais e os seus defensores nas querelas das grandes causas. Neste aspecto, Portas e Coelho, meros pescadores de votos e de parcerias no poder, não chegam aos calcanhares de Mourinho no esmagamento social e cultural. Mourinho fez ao futebol, desporto popular, de disputa entre colectivos e espectáculo de massas, impregnado de paixão clubística a um emblema de toda a vida, o que poucos lutadores de classes conseguiram nas sociedades: matar a arte através da táctica, enaltecer o chefe, o que manda sem jogar, acima de cada um e de todos os artistas. Ganha como as sociedades cansadas e desesperançadas se entregam aos ditadores. Mas ganhando, arrasta os “losers” seus admiradores que, mudando de clube consoante o ídolo viaja entre eles, numa desesperada esperança no direito a triunfos, não se importam de deixar a ética e os valores no balneário.
(também publicado aqui)
No aniversário do dia em que Himmler se suicidou, a Joana Lopes prefere assinalar que a 23 de Maio de 1934 foram abatidos Bonnie and Clyde. O romantismo tem destas preferências, evoca-se um casal gangster e esquece-se o dia em que um dos maiores torcionários de todos os tempos deixou de fazer mal a alguém.
Do livro de Carlos Brito com as suas memórias de camaradagem com Álvaro Cunhal (*) pode dizer-se, quanto à sua oportunidade, que é um livro necessário, constituindo, a meu ver, a mais importante novidade editorial dos últimos tempos em termos políticos e historiográficos.
Cunhal e o seu mito, inseparáveis num dos políticos mais brilhantes e influentes do século XX português, marcando profundamente a sociedade, a política e a cultura portuguesa até os tempos actuais, já tinham idolatria servida e penetrada em doses maciças; marcas de amor, ódio, simplificações e preconceitos; testemunhos de seguidores, adversários e dissidentes; olhares curiosos e fascinados “ de dentro” e “de fora”; uma biografia incompleta elaborada, com coragem, mérito e insuficiências, por um seu estudioso (José Pacheco Pereira) que sempre navegou em águas políticas diferentes das do líder comunista; reedições dos seus textos. Mas faltava algo importante e sintético sobre Cunhal, sobretudo uma visão que, ajudando a desfazer o mistério, contornando o carisma, nos permitisse aproximarmo-nos do revolucionário e da pessoa. Ou seja, o revolucionário enquanto pessoa e a pessoa enquanto revolucionário, únicas fórmulas aparentemente bipolares aplicáveis no único caminho para se chegar a Cunhal além do seu mito. O que, nas circunstâncias particulares de um dirigente comunista, é objectivo difícil de atingir, quase uma impossibilidade, sobretudo porque o silêncio e o mistério fazem parte do menu respiratório do fluxo orgânico do “centralismo democrático”. Porque abundando aqueles a quem a deificação de Cunhal serve ainda hoje como “prova de vida (política)” e sendo muito poucos os que tiveram acesso ao seu círculo íntimo (pessoal e partidário), era reduzida a probabilidade de “o culto cair na rua”, ou seja, descompor-se pela exposição dos contornos e das contradições através da sua acessibilidade via humanização.
Poucas pessoas além de Carlos Brito tinham condições para escrever e editar “um livro que faltava sobre Cunhal”. Não só porque o conheceu muito bem e durante um longo período (de 1967 a 2000), partilhou com Cunhal, na comunhão possível e permitida numa organização fortemente estanque e hierarquizada, as maiores responsabilidades políticas e partidárias, no período da clandestinidade, no período revolucionário e na fase de ocaso e decadência do PCP. Mas porque, nunca tendo sido um dissidente ou adversário de Cunhal, pela sua independência intelectual e pelo seu inconformismo político, tendo sofrido na pele a marginalização (e o castigo) do aparelho que se aproveitou da decadência de Cunhal, tinha as condições favoráveis a uma apreciação do líder desaparecido com distância, rigor e equilíbrio, sem culto nem preconceito. Ainda escrevendo e analisando bem, possuindo um bom suporte documental e factual, a memória política e partidária só pode agradecer a Carlos Brito a coragem de, com a maior decência, ter decidido ajudar a romper o véu sobre Cunhal e o seu mito, esse manto de omertà que inibe os que vivem e viveram o comunismo da sua exposição pública (e, afinal, do conhecimento do essencial, no orgânico, na ideologia e nos jogos de poder, por parte da esmagadora maioria dos seus militantes, simpatizantes e eleitores). Como nem Brito nem qualquer outro conheceram "todo o Cunhal" (a sua compartimentação integrava a que era aplicada às tarefas do partido), ele só não alcançou esse impossível. Mas uma aproximação ao real é sempre melhor que um mito em processos múltiplos de reprodução, deificação e demonização. E Carlos Brito deu o contributo que podia dar para que o Cunhal que vai passando á história se aproxime de uma figura humana, real, deste mundo, mas sempre excepcional e única.
Engana-se quem pense que o livro de Carlos Brito sobre Cunhal é um ajuste de contas ou sequer uma biografia deste. Diferente disso, ele é um livro de uma viagem política “a dois”, de Brito e Cunhal, dois camaradas próximos e diferentes, em que Brito, que tantas vezes foi avaliado e posto à prova por Cunhal, retribui ao seu dirigente máximo desaparecido um olhar de apreciação e levantamento dos pontos brilhantes e pontos negros que recheiam a carreira de um dos políticos portugueses mais influentes de sempre. E que, paralelamente, é uma revisitação do combate clandestino do PCP, da caminhada revolucionária e da decadência do PCP (esta fase já vivida em progressivo afastamento de trincheiras). O que dá ao livro um alcance suplementar, o da retrospectiva histórica e política sobre o passado de luta e decadência do PCP, sempre com a marca tutelar de Cunhal, o líder, o “Grande Irmão”. Depois, sempre importante em obras deste género, o estilo coloquial adoptado por Carlos Brito nesta obra faz dela um livro de leitura empolgante e fascinante.
[Penso que o importante, para quem se interessa pelas questões da história portuguesa contemporânea, do comunismo, do PCP e de Cunhal, é que leia este livro de Carlos Brito. Como a edição é muito recente, deixarei passar algum tempo até voltar a ele. Ou seja, ao Cunhal que nos é apresentado por Carlos Brito.]
(*) – “Álvaro Cunhal, Sete Fôlegos do Combatente – Memórias”, Carlos Brito, Edições Nelson de Matos
(também publicado aqui)
A moção de censura de hoje só teve duas consequências práticas, uma de oratória e outra de clarificação: o excelente discurso de encerramento da discussão parlamentar por Bernardino Soares; um assumir solene de paternidade e mando do PCP sobre a CGTP, definindo ainda que as motivações e mobilizações de descontentamento social e reivindicativo canalizado pelo sindicalismo seguem uma agenda político-partidária e não têm autonomia suficiente para pressionar a sociedade, o governo e os partidos. A fraqueza do sindicalismo português é um dos pontos fracos do regime democrático, um sinal preocupante da fraca capacidade de defesa dos trabalhadores. O patronato e a direita não se poupam a acentuar as fragilidades do ideal sindical, da sua prática e influência, contando ainda com a ajuda da burocracia anémica do sindicalismo amarelo. O controleirismo e hegemonização do PCP sobre a CGTP, o esmagamento e apropriação da agenda reivindicativa da central sindical, cumprem a outra metade do trabalho de sapa anti-sindical. O que demonstra, objectivamente, que nem sempre os contrários se desentendem.
Nada melhor que uma igreja para entender outra, mesmo concorrendo nos tipos de fé e de dogmatismo. E se têm liturgias aproximadas, tanto melhor, porque aumenta o número de pontes. Se o regime dos irmãos Castro não ouve os democratas, nem os anseios de liberdade do seu povo, preferindo o apoio dos apaniguados que gostariam de ser polícias políticos com estrelinha vermelha de sheriff habanero, então que oiça os seus bispos. Porque, muitas vezes, a liberdade e a democracia também escrevem por linhas tortas.
Depois de ter escrito isto, transcrevo da revista “Visão” publicada hoje um excerto de uma entrevista com Manuel Alegre:
P – Reparou nas críticas que lhe fizeram por estar, implicitamente, a censurar a opção pela deserção que muitos tomaram, nos anos sessenta, ao publicar a sua folha militar?
R – Não! A deserção era perfeitamente legítima. Não pretendi condenar. Simplesmente, eu não desertei. É uma situação de facto. A deserção era uma das formas de luta contra o regime. Só que eu não a utilizei.
P – na altura, pensou em desertar?
R – Não. Discuti esse problema, mas por razões pessoais nunca pensei desertar. Mas anda aí uma campanha, numa grande impunidade, porque a internet permite a calúnia e a maldade, já que não sou eu o visado, é a resistência antifascista. Querem ilegitimar a resistência, a voz da liberdade. Era o que faltava!
Derrubar este governo pode trazer, temporariamente, outro igual ou pior, mas ficaremos sempre mais perto de um dia ver esse governo a cair na rua.
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