Quinta-feira, 1 de Fevereiro de 2007

FEMININO DO ANTES E DE HOJE

0010bt4z

Num novo documento repescado no Passado/Presente dos autos de proibição de livros pela Censura do Estado Novo, de que restam uns admiradores de votos em concursos televisivos, parece-me uma excelente metáfora à forma como a mulher é considerada numa trincheira do referendo em campanha.

 

O relatório de proibição, assinado por um Capitão com avença de leitor-censor e datado de 1967, trata de um livro com tradução e edição brasileira, enviado pelos CTT (o que demonstra como os Correios no tempo do salazarismo também desempenhavam função de vigilância e controlo) para apreciação da Censura. O nome da obra chama-se “A MULHER” e mereceu este despacho clarividente do Capitão-Censor Borges Ferreira:

 

“É um livro científico, que todas as mulheres deviam ler, mas, para isso, devia ser tirado o capítulo XXXVII. É este capítulo que, a meu ver, estraga o livro e o torna impróprio de entrar nas nossas casas. Sou, portanto, de parecer, salvo melhor opinião, que o livro deve ser proibido de circular.”

 

Ficamos sem saber o que constaria do tal capítulo XXXVII que “estragou” o livro. Mas será necessário ter muita imaginação para supor que matéria trataria? O que não deixa de nos fazer pensar na similitude no que hoje se ouve e se traduz do essencial da propaganda do NÃO e que podia ser dito assim: “ As mulheres são uma maravilha e fonte de vida, desde que não se estraguem a usar o capítulo XXXVII. Se o fizerem, proíbam-se, por serem impróprias de entrarem em nossas casas, devendo ser entregues ao Código Penal”.

Publicado por João Tunes às 10:39
Link do post | Comentar

O TREINADOR NO NÃO

0010awdh

Fernando Santos, em artes de treinador na bancada do NÃO no último “Prós e Contras” da RTP, transparecendo uma respeitável e convincente sinceridade na expressão das suas convicções pessoais, demonstrou e desmontou a arquitectura montada pela campanha da sua causa. Campanha esta que é uma articulação sofisticada e razoavelmente conseguida de ocultação das razões essenciais dos motivadores pelo NÃO.

 

De facto, Fernando Santos, um católico praticante e publicamente confesso, afirmou-se pelos dogmas da Igreja quanto à sexualidade e à maternidade, colocando-se abertamente fora do debate deste referendo, na exacta medida em que a sua visão pecaminosa-criminalizante é muito mais restritiva que a lei actual na repressão ao aborto. Ele o disse, puniria os abortos actualmente permitidos (em caso de violação e de má formação do feto) e só seria benevolente nas situações em que se previsse que o parto pusesse em causa a vida da mãe. Mas, escolhendo fora desta escolha referendária, Fernando Santos dá corpo à campanha. Porque para conter uma modernidade que ameace os seus respeitáveis dogmas (pensando “para pior, já basta assim”), ele, não lhe bastando a coerência com a sua fé, desconfiando da eficácia do seu proseletismo, quer que o Código Penal sirva de andaime que imponha a toda a sociedade as suas crença sobre a vida. Como o fazem os párocos tradicionalistas que, onde encontram ambiente cultural favorável, continuam a pregar contra o contexto da actual lei e continuam a defender a sexualidade reprodutiva, condenando o preservativo e as outras formas anti-conceptivas, a masturbação, o sexo “não casto”, o calor dos corpos livres.

 

No entanto, quem aparece a modelar a propaganda da campanha do NÃO, pautando-lhes os discursos e os argumentos, é outra coisa e muito diferente. Os rostos e vozes dos pregadores do NÃO publicamente expostos são sobretudo de médicos e juristas, católicos é claro, que argumentam diferente, muito diferente. Defendem o planeamento familiar, a contracepção, inclusive afirmam-se contra a penalização do aborto. Atribuem ao SNS uma obrigação gigantesca de cobertura e apoio perfeito e maravilhoso para a gravidez e os partos.

 

O que une a “retaguarda” do NÃO, a sua essência comandada a partir das Sés, igrejas e capelas, misógina, anti-sexo, a da mulher procriadora, a esta camada culta, fina, pública e envernizada que ocupa os debates e os tempos de antena? O jogo de enganos de dois discursos e duas medidas. E uma enorme capacidade táctica da dissimulação. Cruamente dito: sobretudo a hipocrisia. Praticada por um bando de propaganda em que Fernando Santos foi a dissonância pela sinceridade. Ele estava “fora-de-jogo” mas foi evidente que foi o único que não simulou na grande área à procura do penalty do voto.

Publicado por João Tunes às 00:47
Link do post | Comentar

j.tunes@sapo.pt


. 4 seguidores

Pesquisar neste blog

Maio 2015

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

Nas cavernas da arqueolog...

O eterno Rossellini.

Um esforço desamparado

Pelas entranhas pútridas ...

O hino

Sartre & Beauvoir, Beauvo...

Os últimos anos de Sartre...

Muito talento em obra pós...

Feminismo e livros

Viajando pela agonia do c...

Arquivos

Maio 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Junho 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Junho 2012

Maio 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

Links:

blogs SAPO