A nabice diplomática do actual Presidente da República mostrou-se na sua primeira intervenção pública sobre política internacional e as relações entre estados independentes e soberanos. Primeira e grande “calinada” (que seria grave no caso de se tratar de uma respeitável e influente figura da política mundial) – referir-se ao País Timor-Leste como um “território”. Só legível como “lapso de linguagem” de um reflexo de raciocínio serôdio e neo-colonial (falará de “território” quando visitar oficialmente a França, a Alemanha ou os Estados Unidos?). Inadmissível, portanto. Depois, mostrando uma pulsão autoritária e securitária (coisas que talvez rimem bem com GNR), admite que há, em Timor, um problema político além (ou aquém) dos problemas militar e de segurança, mas dá primazia à resolução do problema da “insegurança”. Como se pode tratar assim das prioridades? Pensará ele (e o governo, mais os partidos de oposição coniventes na operação) que a GNR tem por missão e capacidade para assegurar o “estado de sítio” com concomitante suspensão de exercício de soberania num qualquer país estrangeiro? Ou já se está a ver, como Comandante Supremo das Forças Armadas de Portugal, a designar, entre o seu staff, um Alto Comissário para repor a ordem pública em Timor e tutelar as condições de retorno ao regular funcionamento das instituições políticas?
Entretanto, demonstrando que é harmonioso o arco de desacerto institucional entre a PR, o governo e a maioria da oposição, na questão timorense, o governo disse que a GNR em Timor funcionará sob as ordens conjuntas do Presidente de Timor e do Primeiro Ministro de Timor (como assim, se a inimizidade entre eles, mais outros, é um dos nós do conflito?). Mas, no caso (quase certo, digo eu) de eles não se entenderem, então a GNR actuará sob ordens (!!!) do Embaixador de Portugal em Timor. Coisa de bradar aos céus em termos de perspectiva de ingerência pura e dura!
Sócrates e Cavaco dão mostras de iniciarem a marcha do entendimento e harmonia institucional, até com palmas da maioria da oposição, através da asneira e da precipitação. No caso, consciente ou inconscientemente, ao serviço de um golpe, dirigido pela Igreja Católica e pela Austrália, visando o derrube do governo legítimo de um país soberano. Assim, não. Recomendo, ainda, para compensar os desatinos que por aí se ouvem e lêem, este lúcido post do João Abel de Freitas. Nada melhor que ler quem pensa antes de escrever.
Ler (e ver) aqui documentos do nosso débito de vergonha. Um país que não respeita os corpos dos mortos que mandou combater por ordem do governo da pátria, ou do governo do raio do império, permitindo dar a dignidade do luto pelos seus, é um país sem vergonha perante os vivos porque despreza os seus mortos.
Muito bem, Senhor Papa Ratzinger. Só lhe fica bem. Falo da cena em que falou, na Polónia, de alemão para os judeus, ou seja, da memória sobre uma ignomínia. Muito bem, repito.
Não pare, Senhor Papa Ratzinger. A ignomínia não fica por aí, na “culpa alemã”. E sabe-se lá se essa é a culpa maior do seu cardápio. Porque, além de alemão, o Senhor é Papa. E Papa de uma Igreja que deu dignidade de Basílica ao “Vale dos Caídos” (honra concedida pelo seu antecessor João XXIII), esse monstro monumental católico-fascista perto de Madrid, guardando os restos de Franco e Primo de Rivera abrigados junto ao altar-mor. Um monstro construído em regime de trabalho forçado por prisioneiros republicanos, uma vilania vingativa para com os derrotados, para guardar os únicos “caídos” aceites por Franco e pela Igreja - os fascistas caídos em combate contra a República e a Democracia. Pela Ditadura. Pelo Fascismo. Pela Morte. Pela Espanha Católica, diziam eles.
Senhor Papa Ratzinger, no mínimo, para que a sua “limpeza” de honra e vergonha feita em Auchwitz não se perca nas curvas e contracurvas da hipocrisia encenada, mande recolher os frades dominicanos, seus subordinados na fé e no sacerdócio, que guardam e dão celebração religiosa a esse monstro. E proíba missas naquele antro de vilania ímpia. Antes disso, enquanto não encontra novo poiso para os dominicanos ali instalados, revogue a qualidade profanada de Basílica da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana atribuída ao “Vale dos Caídos”. Deixando, por lá, sem mais bênçãos, no descanso do vento de Guadarrama, os fascistas espanhóis mais os seus chefes (alguns - entre uns e outros - vestindo sotaina), os que se levantaram contra a República, apoiados por Hitler, Mussolini e Salazar, matando a democracia espanhola, vencedores pelo ferro, pelo fogo e pelo crucifixo.
Espera-se isto de si, Senhor Papa Ratzinger. No mínimo, pelo seu amor a Espanha e aos espanhóis bem demonstrada na sua alegria lúdica quando enfiou na cabeça papal um capacete tricórnio da “Guardia Civil” de bem tristes memórias.
Gosto do som do “tá-tá-tá-tá” de uma espingarda. Não fazendo mal a uma mosca, sendo um pacífico e um pacifista, tenho um gosto discutível, como todos os gostos, pelo “tá-tá-tá-tá”. Tenho não, TINHA (mas isso fica mais para o fim).
Certo é que as espingardas matam. E, em certas circunstâncias, até matam muito. Por vezes (as mais das vezes?) até matam quem não devem e estão em mãos que deviam estar quietas e não a disparar. Mas, já antes das espingardas, era assim. A guerra e a morte são mais velhas que as espingardas. As espingardas, culpa única, vieram foi ajudar a matar melhor e mais, ajudando a ganhar guerras justas ou injustas. E a melhor de todas as espingardas o que acrescenta, às outras não tão boas, às guerras e à morte, é matarem ainda mais e ainda melhor que as outras espingardas, permitindo mais guerras e mais mortes. Além de terem um “tá-tá-tá-tá” diferente, um som personalizado e que fica melhor no ouvido, uma marca sonora que a distingue. Até podendo ser, caso talvez de perfídia estética, uma coisa bonita de se ver e agradável no mexer. Em caso extremo, se for verdade que a guerra comporta muito de sexualidades reprimidas ao serviço de um grupo, uma espingarda nas mãos até terá o seu toque erótico, um género de sucedâneo prolongado de um pénis mortífero em erecção sempre pronta, uma volúpia na dialéctica entre a vida e a morte, coisa que, dizem os entendidos, o acto sexual também será.
Lamento decepcionar os decepcionáveis, mas não falo da nossa querida G3 (bem boa e grata espingarda!), a noiva das “comissões” fardadas e do PREC, a noiva com que tantos casaram á força, a companhia que não “nos” faltou nos calores e medos da guerra. Nem da célebre M-16 que não chegou aos americanos para ganharem no Vietname. Falo, antes, da espingarda automática (a chamada “espingarda de assalto”), infelizmente rival da nossa querida G3, a espingarda mais apreciada, usada e difundida no mundo – a famosíssima “Kalachnikov”, por vezes tratada carinhosamente pelo terno diminutivo de “Kalach”. Ou, respeitando a nomenclatura oficial, pela burocrática designação de “AK-47” [em que “AK” é a abreviatura de “Espingarda de Assalto Kalachnikov” e “47” refere o ano do início da sua produção na ex-URSS (ainda com o “Pai dos Povos” em forma quanto a saúde, paranóia e despotismo)]. O certo é que a “Kalach” é unanimemente, independentemente de a usar ou ser por ela alvejado, considerada a maravilha máxima, em tecnologia, em concepção, em eficácia e na beleza das linhas, entre as espingardas jamais dadas ao mundo desde que, ao mundo, a “Kalach” veio parar. Vejam que até Bin Laden, que nas escolhas não parece ser parvo, não dispensa sentar uma “Kalach” ao colo das saias quando aparece naqueles vídeos para assustar os americanos e o resto do mundo. E não haverá guerreiro ou guerrilheiro, contra-guerrilheiro também, que não gostasse de ter uma “Kalach” para combater. Ainda é assim e ininterruptamente desde que apareceu a sua primeira versão em 1947 por mor de decreto presidencial do “Zé dos Bigodes” e génio de um obscuro inventor (até à “perestroika”, a sua identidade era secreta por ser considerada “segredo de Estado”).
Nunca escondi a minha curiosidade, admiração e inveja, uma espécie de fascínio castrado por nunca lhe ter pegado, desde que me foi dado ouvi-la e vê-la “do outro lado”, o lado dos patriotas guineenses, nos idos tempos da guerra colonial. Para acalmar esta minha obsessão, tenho procurado, persistentemente, saber mais e mais sobre o nascimento, vida e obra da “Kalach”. Finalmente, um livro encheu-me as medidas, tanto que me esgotou o interesse por tudo quanto seja espingarda (o que já não era sem tempo, bolas, sempre foram 37 anos a pensar no raio de uma espingarda!). Agora sim, livre da obsessão no sortilégio da “Kalach” posso, finalmente, sentir-me livre e solto para me dedicar a grandes e boas causas – contra a exclusão social (fazendo corpo de combate com o Presidente Aníbal), a ajuda aos pobres (militando num Confissão com capela aberta), a defesa do ambiente, a luta contra o tabagismo, a homofobia, o racismo e a xenofobia, o fim da violência doméstica mais a pública, a defesa da "classe operária" (fazendo bis), a luta contra a “gripe das aves” e tudo quanto seja a boa conservação e melhoria da saúde pública. Causas assim ou parecidas. Boas causas. Para o MIC do Alegre, isso não, para esse peditório já dei o meu voto, com muito gosto mas chegou. Só boas causas. Com o terminar súbito e dorido da paixão para com uma espingarda. O que um livro consegue, deus nosso!
O livro a que me refiro é uma pequena autobiografia do inventor da “Kalachnikov” (*), recentemente editada em Portugal, o qual, para não destoar, se chamava Kalachnikov também. Isto é, a espingarda chamou-se “Kalachnikov” porque o seu autor assim se chamava. A vida do sujeito, ainda vivo e activo (contando 83/85 anos, um pouco mais que Mário Soares), teve uma trajectória interessantíssima, tirando a parte “balhelhas” como o homem pensa a política e o mundo de hoje, pois ajuda a entender o prodígio e a odisseia de um sargento autodidacta ter concebido aquilo que os sábios, cientistas, engenheiros, ali ou noutra parte do mundo, nunca chegaram – a maravilha da espingarda leve, fiável, segura, resistindo a todas as poluições, bonita, fácil de desmontar e de fabricar.
Como disse, vencido o amor enciumado e tortuoso (enquanto traição à nossa querida e germanizada G3) pela bela “kalach”, não quero mais saber de espingardas. Agora sim, serei o pacífico e o pacifista perfeitos. Tentarei, pelo menos. Adeus "tá-tá-tá-tá".
(*) “Kalachnikov, autobiografia do inventor da mais famosa metralhadora do mundo”, Mikhail Kalachnikov (com Elena Joly), Ed. Terramar.
Imagem: Mikhail Kalachnikov promovendo, para a exportação da indústria russa de defesa, a espingarda que concebeu e deu fama ao seu nome.
Sabe-se que a essência dos actuais problemas, dramas e perdas dos acontecimentos em Timor-Leste está, em boa medida, na conflitualidade e mesmo inimizidades profundas que dividem os vários pilares do poder timorense, incluindo os que têm a responsabilidade do exercício da soberania. Igualmente, a pressão de governos de países estrangeiros para colocarem aquele pobre e pequeno país na sua órbita (o petróleo, ai o petróleo…). Também a ingerência desmesurada da Igreja Católica nos assuntos políticos. Mais uns tantos aspectos secundários e consequentes que, na maior parte das vezes, se julgam como os relevantes.
Prova da combinação da luta entre órgãos de soberania com a ingerência estrangeira são as declarações de uma cidadã australiana (Kirsty Sword-Gusmão) a funcionar como porta-voz da Presidência da República de Timor em declarações públicas:
Como entender que uma cidadã de um país estrangeiro, abusando da condição de “primeira dama”, assim fale do governo legítimo do país de acolhimento?
Sem margem para dúvidas, o que se trata é de um cisma entre o “PR-Ministro dos Negócios Estrangeiros-Bispos Católicos” de um lado e o Primeiro Ministro e restante governo do outro. E este cisma crítico está a ser alimentado por ingerências externas e concorrentes. Com os militares e polícias a funcionarem como carne para canhão. E a destruição e morte a aumentarem. Porque cada “parte” dos dois lados do cisma prefere destruir Timor para poder destruir a outra “parte”. Este é o actual drama de Timor. E, nele, todos estão a ser vilões, sem santos nem heróis.
Não pode haver paz em Timor sem a resolução do conflito institucional e o fim das ingerências estrangeiras. Esses são os nós do problema. Que função pode desempenhar Portugal, para mais atrelando-se ou desatrelando-se à Austrália? E, sobretudo, que capacidade tem a GNR para sanar um conflito político interno? Vai actuar por uma “parte” contra a outra “parte”? E qual? Se não há um "poder" e todas as "partes de poder" têm a sua quota de legitimidade? Não entendo, a não ser a vontade incontida de meter mais um nó no problema.
Porque não a constituição urgente de uma comissão política internacional, mandatada pela ONU, para impor a todos os poderes timorenses rivais, mandando a Igreja remeter-se à reza e às missas, a sobrevalência dos interesses timorenses e o regular e cooperante funcionamento dos poderes constituídos? Antes disto, ou em vez disto, mandar mais espingardas só serão mais armas para a fogueira.
E divirtam-se com os cultos e nos cultos. Caso contrário, os cultos transformam-se em eventos pouco cultos.
Este oportuníssimo post. Nem menos.
Faço meu o post da minha irmã Guida. Força Sobrinha!
Adenda: A dor, nunca convidada, gosta de vir de quando em vez e, insaciável, alastrar, alastrar, ferindo a torto e a direito. Agora, também bateu na porta do ânimo da Cristina. Para ela, um abraço igualmente fraternal.
1 – Segundo o último Barómetro DN/TSF/Marktest:
2 – Causa: erro de Casting no “Dança Comigo” da RTP. Em vez da deputada Odete Santos a dançar o tango, devia ter estado Jerónimo. Assim, não há sondagem que o aguente.
No Médio Oriente, a situação só pode melhorar. Faltava esta ajuda preciosa.
Prosa de Albano Nunes, dirigente do PCP, no último “Avante”:
“Todos os dias nos chegam testemunhos de que, apesar da desfavorável correlação de forças resultante das derrotas do socialismo e da violenta ofensiva com que o capitalismo procura saída para as suas insanáveis contradições, é possível resistir, lutar e vencer. Eles chegam-nos nomeadamente da América Latina com Cuba socialista e a Venezuela bolivariana, e as esperanças que renascem na Bolívia. Eles chegam-nos da Ásia com a extraordinária vitória da insurreição no Nepal e os magníficos avanços dos comunistas na Índia com o triunfo eleitoral nos Estados de Kerala e Bengala Ocidental. Eles chegam-nos do Médio Oriente com a forte resistência à ocupação no Afeganistão, no Iraque e na Palestina, e mesmo do Egipto, o principal país do mundo árabe e, após a derrota do «nasserismo», o grande pilar da estratégia do imperialismo norte-americano na região. Eles chegam-nos também desta Europa onde, contra a ideologia dominante da colaboração de classes, despontam importantes lutas populares.”
”Mas é sobre a evolução de Timor-Leste que se impõe uma anotação. Trata-se de um processo que tem muito de específico e original, como o tem qualquer genuíno processo libertador assente na participação criadora das massas. Mas que por isso mesmo comporta experiências e ensinamentos de valor universal que é oportuno sublinhar no momento em que a Fretilin acaba de realizar com sucesso o seu 2º Congresso, derrotando assim no imediato quantos, no país e no estrangeiro, manobraram e conspiraram para descredibilizar e dividir esta grande força política, desautorizar a sua Direcção, enfraquecer o legítimo governo timorense.”
Nota: Além dos ensinamentos sobre onde anda a revolução, entendido fica ainda o apoio do PCP ao envio da GNR para Timor, agora vista como um instrumento internacionalista ao serviço dos "genuínos processos libertadores".
Terminada a sua “comissão de serviço” nos Verdes, Isabel Castro continua ou não ao serviço do PCP?
Três consequências do colonialismo português (da nossa presença em África, da política de Portugal do Minho a Timor, sobretudo na fase terminal - 1960/1974 - iniciada na perda da Índia):
1 – A consequência simétrica do encaminhamento dos destinos desses povos africanos para os braços de mando do “leninismo africano” ao empurrá-los para a luta armada como meio único de acederam à dignidade e à independência. O mesmo “leninismo africano” que, hoje, reconvertido às delícias capitalistas, se prolonga no (des)mando das elites governantes da maioria das antigas colónias. Esta, a consequência mais perdurável da guerra colonial.
2 – Ter transformado o grosso dos oficiais de carreira, os de média e baixa patente, que gastos de serem oficiais colonialistas ao serviço do regime se transformaram, num ápice, em oficiais antifascistas e, sendo eles o braço armado do Estado Novo, fizeram de coveiros do fascismo e do colonialismo. Através do parricídio édipo-ideológico vulgarmente designado como “revolução dos cravos”.
3 – Prolongar no tempo uma “saudade africana” de diversos matizes, inclusive a complexada, entre os que lá fizeram a guerra ou lá foram colonos mais uns tantos esquecidos, ignorantes ou relapsos, que, ainda hoje, contamina muitos dos olhares portugueses para com povos e países que se soltaram da nossa tutela mas continuam a conservar muitas das nossas “heranças”.
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