Terça-feira, 23 de Março de 2004
Estes eram cidadãos que, em 11 de Março, apanharam um combóio para trabalharem, estudarem, namorarem ou simplesmente respirarem Madrid. E desapareceram do reino dos vivos. Porque um bando de assassinos os despedaçou à bomba. Não sei os seus nomes. Os seus rostos nada me dizem. Mas são pessoas que choro. Porque mereciam viver mas não vivem porque um bando fez da Morte a sua Ideologia. Eu podia estar lá, ou os meus filhos ou um de vós. Ou todos nós.
Vale a pena ler:
1) O post do
Aviz intitulado SOBRE A GUERRA e os comentários que ele mereceu. Só me pergunto, porque é que ninguém resolveu chamar JUDEU ao F.J.Viegas, como insulto supremo, quando se sabe da opção deste em termos religiosos porque ele a assumiu publicamente.
2) O post de
Vital Moreira intitulado Escalada assassina de que se desconhecem comentários porque este blogue não dá guarida a essas democratices. Os da Causa Nossa fazem jurisprudência sem direito a apelo.
Porque vale a pena confirmar como boas causas recorrem à superioridade moral das mesmas para tentarem impingir moralismos baratos, demagógicos e trapaceiros.
Coitado do Xeque do Hamas. Velho e tetraplégico, chora o cristão (novo ou velho?) Vital Moreira. Assassinado, quando ia numa cadeira de rodas, por um foguete teleguiado (maldita tecnologia) atirado por um descendente dos que crucificaram Cristo na Cruz. Só que o sacana do finado já andava na cadeira de rodas desde os doze anos e isso não o impediu de passar a vida a inspirar e incentivar os terroristas do Hamas. Matando crianças e outros civis (judeus, eu sei). Matando (ou "suicidando") jovens palestinianos e palestinianas fanatizados e fanatizadas pelo Xeque para servirem como homens-bomba e mulheres-bomba. Matando, porque a Morte era a única religião do Xeque. Sabe-se até que o Xeque tinha a suprema ambição de morrer em Martírio. E aqui é que eu lamento que Sharon lhe tenha feito a vontade. Desde quando é que uma cadeira de rodas isenta um Xeque de Assassinos dos riscos da Religião da Morte pela qual optou? Saber se Hitler sofria de síflis ou não, acrescenta alguma coisa ao julgamento sobre Hitler? Ou se Estaline tinha um trauma na sua relação com a Mãe (sabe-se da sua extrema frieza de ter mandado Béria representá-lo no funeral dela)? Ou, ainda, se Fidel Castro foi vítima de abusos sexuais quando andou no Colégio de Jesuítas e isso deu-lhe, em velho, para torturar e prender jornalistas?
Limpem o Sharon e eu vou chorar tanto por ele como choro pelo Xeque. Porque todas as minhas lágrimas vão para as vítimas do terrorismo. E não tenho cloreto de sódio no corpo que dê para chorar as vítimas, os assassinos e os assassinos dos assassinos. Por isso, tenho de o dosear. Eu choro os mortos de Atocha de que não sei os nomes. Eu choro as vítimas do ELP/MDLP e das FP 25. Eu choro os assassinados pela ETA. Eu choro aqueles que tiveram a desdita de estarem nas Torres Gémeas no dia e na hora erradas. Eu choro todas as vítimas passadas e futuras.
Desculpem, mas eu não choro um único Assassino. Eu só tenho é pena que eles não se juntem todos no mesmo sítio, numa ilha isolada, e não se matem uns aos outros. Não sendo tal possível, fogo neles, a TODOS!
Mário Soares tem um tal lugar assegurado na nossa História que lhe é permitido dizer coisas que não se perdoariam noutras figuras ou mesmo no cidadão comum. Porque Soares pertence ao património da nossa Democracia e pela sua forma de estar na política e na vida. É pois natural que mereça carinho e condescendência quando lhe saem da boca para fora esta ou aquela frase infeliz. Por outro lado, a sua idade também ajuda a ser-se tolerante com uma ou outra rabugice sua.
Sempre tive a ideia que Soares nunca se levou muito a sério quanto às suas próprias posições. Ele não é aquele racionalista pragmático e calculista que mede o alcance de tudo o que diz e o que faz. Ao contrário do que eram, por exemplo, Cunhal e Sá Carneiro, e é Cavaco Silva. E, neste aspecto, acho que pagámos um preço (sobretudo na forma desastrosa como foi Primeiro Ministro) mas todos beneficiámos destas características de Soares tornar a política leve, humana e acessível. Soares tem sido, antes de mais, um gajo porreiro que foi amado e estimado também pela forma descontraída, convivial e afectiva como viveu e vive a política. Estruturalmente, Soares é mais um intuitivo, um táctico e um apaixonado - aquilo que por vezes se designa como animal político - do que um estratega ou um definitivo sobre rumos e objectivos. E entre as suas características pessoais, notam-se traços que o humanizam vê-se que é preguiçoso, amante da boa mesa e dos bons passeios, vaidoso em rituais e homenagens e bom conversador, tudo defeitos que cada português traz dentro de si
ou que gostaria de os poder gozar.
A preguiça política de Soares relativamente às suas metas e às suas ambições sempre o levou, desde a juventude, a pendurar-se noutros que trabalhassem politicamente por ele. Foi assim com a iniciação política que lhe foi ministrada por Cunhal e na construção e consolidação do PS em que se apoiou em Salgado Zenha.
Soares foi do republicanismo paterno para o PCP, assustou-se com a ideia de ter de passar para a clandestinidade, meteu-se em free lancer do antifascismo, ainda namorou Marcelo com a CEUD, aproveitou a ajuda da Internacional Socialista e fundou o PS, foi quase tudo na política que gostava de ter sido (excepto o almejado lugar de Secretário Geral da ONU), não vive sem a política nem a ribalta, sabe que tem uma reserva de estima popular inesgotável.
É natural que à beira dos oitenta anos, Soares tenha falta de espaço para construir projectos em que ele brilhe numa equipa a trabalhar para si. E não poderá mais apoiar-se em apoios mais velhos que ele e que tenham estatuto para o inspirarem.
Faltou a Soares a experiência de ter sido um esquerdista impertinente (trotsquista, guevarista, maoísta). Livre do PS, Louçã deve fazer inveja ao bom do Mário. Imagino como ele gostaria de se meter naqueles folclores que a rapaziada bloquista organiza de vez em quando. Vai daí, o antes inspirado por Cunhal e por Zenha, meteu-se numa de esquerdismo à PS e tudo indica que a Nova Passionária cá do burgo (Ana Gomes) lhe esteja a inspirar modos e tiradas na cruzada anti-Bush. Pelo menos, é assim que entendo (e desculpo, depois de pensar melhor) aquela frase infantil (de segunda infância) sobre a possibilidade e a necessidade de se negociar com Bin Laden.
Ganda Mário! Contigo, a política também é uma festa e quase chega a ser uma paródia. Bem hajas!
Segunda-feira, 22 de Março de 2004
Sou pelo direito dos palestinianos a terem uma Pátria independente e soberana. Assim como o direito dos israelitas viverem no seu país e em segurança.
Estou contra o militarismo genocida do governo sionista e o fanatismo do extremismo palestiniano. Estou contra os terrorismos israelita e palestiniano ou cometidos em seus nomes. Acho que Sharon e Arafat estão fora de prazo de validade (sempre estiveram) e deviam ser reformados compulsivamente.
Considero das maiores vergonhas mundiais a não resolução do conflito israelo-palestino.
Mas que me desculpem os amigos dos incendiários e todos aqueles que têm uma pala a tapar um dos olhos, mas não deito uma lágrima por este Xeque inspirador de bombistas e de fanáticos. É apenas menos um dos que só atrapalham e matam.
Ele cita várias vezes, sempre a propósito, porque há frases que têm sempre um propósito, o grande poeta Mandelstam - tão grande poeta que Estaline não suportou que existisse e que um dia atirou ao ar a frase: A poesia é poder.
Este poeta, revoltado, do poder e na oposição, não o russo mas o trovador nascido em Águeda, desfia as suas memórias de resistência que me acompanham como um fio de voz (para mim, a mais bela voz de homem de quem ouvi a fonia do canto a falar) impresso, indelével e irredutível, desde as noites do fascismo, trazido nas ondas da Rádio Voz da Liberdade, agora em romances de poesia. Embora, desde Abril de 1974, só me liguem a Manuel Alegre os seus livros (o que é mais que muito). Com edição Dom Quixote, aí está Rafael.
Manuel Alegre, o poeta que foi responsável pela Segurança do PS nos anos de brasa, com desempenho brilhante a tecer fios entre militares desconsolados, serviços secretos americanos, ingleses e alemães e armas distribuídas aos militantes da contra-revolução, lembra-nos como se tornou um revoltado em trabalhos revolucionários contra a ditadura. E disse quase tudo sobre como tantos (mas sempre em minoria) passaram do ócio estudantil entremeado entre farras, namoros e a conquista do canudo, para coluna vertebral da luta contra o fascismo. E talvez seja, por causa deste mesmo passado, que a Direita deste país ainda não prestou a devida homenagem ao muito (ou tudo?) que deve a Manuel Alegre.
Manuel Alegre, o poeta que assassinou um jornal (O Século) quando esteve num governo, mete-nos pelos olhos dentro um capítulo que será (para mim, é) a melhor cena da vida militar durante a guerra colonial e que retrata a sua prisão, em Luanda, por um capitão de Cavalaria. Depois deste capítulo, tudo o mais que se vier a escrever sobre a guerra colonial e as forças armadas, será complemento, adjectivo ou interjeição. Desta maneira, o poeta que assassinou um jornal também deu por extinta a literatura sobre a guerra colonial e sobre como apareceu esse fruto exótico chamado MFA. Porque ele disse quase tudo sobre tão dolorosos e complexos temas.
Manuel Alegre, o poeta-amigo que chorou agarrado ao pescoço de Paulo Pedroso e continua dono da retórica mais ridícula da saudade abrilista, pincela o caminho errante das grandes figuras da resistência e como ela se compôs e se dividiu, através dos furúnculos abertos pelo exotismo narcisista e valente do General Delgado, pela invasão de Praga, por Maio de 1968 e pela deriva maoísta. E como tudo isso foi sanado e ultrapassado pelos militares fartos da guerra, menos poetas mas mais pragmáticos.
Manuel Alegre, o poeta que foi revoltado, revolucionário, contra-revolucionário e poder e agora é relíquia da oposição, tem todas as razões para citar vezes sem conta a frase desesperada de Mandelstam.
Como eu lamento, em nome do som da sua voz aos microfones da Rádio Voz da Liberdade e em nome da melhor poesia que saiu da sua cabeça a transfigurar a língua portuguesa, que Manuel Alegre não tenha circunscrito o seu poder de poeta à sua lira. Porque Manuel Alegre consegue transformar a nossa língua naquilo que ela não é no uso ordinário que dela fazemos. Com Manuel Alegre, a língua que usamos para invejar, intrigar, mal-dizer e sermos rascas, torna-se em algo cantante, plástico, estético e belo, muito belo. Com Manuel Alegre, cada português é um poeta. Se a poesia é poder, porque raio este poeta se meteu em poderes e em contra-poderes?
Sexta-feira, 19 de Março de 2004
Uma nova e grande cidade leva tempo até que nos habituemos à topografia e ao ordenamento. Quando a estadia é curta e quando me afoito a sair do hotel para desbravar a cidade em passeios curtos (em que normalmente descrevo uma quadrícula fácil de memorizar para facilitar o regresso), tenho cuidado de ir munido de um mapinha onde se assinale, bem visível, a localização do local de pernoita para a eventualidade de me perder e ter de pedir ajuda.
Nos passeios de descoberta de uma nova cidade, vou lendo atentamente os nomes das Avenidas e Ruas por onde passo para me ir orientando, ocupação que me esgota os neurónios e me rouba parte da disponibilidade para a descoberta do diferente e do imprevisto que é o melhor que tem a visita ás cidades. Mas isso faz parte dos custos do turismo ou da mania de vaguear pelas cidades.
Se a viagem é feita de carro, então a preocupação sobe em exponencial porque há que registar onde fica o hotel e onde se estaciona a carripana. E foram já vezes sem conta que baralhei as orientações e as toponímicas e suei a bom suar até que descubra a malvada da viatura que, na maior parte das vezes, me aparece frente aos olhos com um riso rasgado na carroceria a ostentar um enorme e metálico ar de gozo.
Claro que há casos e casos. Há cidades ordenadas geometricamente e com toponímias fáceis de decorar que se dominam como quem bebe um copo de água. Nova Iorque será o caso mais flagrante em facilitar a vida ao forasteiro.
Passei as passas do Algarve em Praga, em Sófia e em Atenas, por exemplo. Não pelo ordenamento da cidade, mas pelos alfabetos usados ou pela fonética impossível de decorar por um debutante triglota como é o meu caso.
Nas temporadas que passei em Maputo, aquilo pareceu-me sempre fácil, tanto como beber uma ginginha (com elas). A cidade está bem ordenada e os nomes das ruas e avenidas eram-me todos familiares. Aquilo parecia tão fácil como circular nas tendinhas da Cidade Internacional das Festas do Avante, quando o Socialismo estava na maior. Marx para aqui, Engels a seguir, Ho Chi Minh ao virar da esquina, Kim Il Sung lá ao fundo, Lenine é logo ali, siga e encontra Che Guevara, e por aí fora. Para mais, tinha lido grandes calhamaços dos gajos quase todos e de alguns havia comprado bustinhos e postais de santinhos para ajudar o Partido. Ena pá, aquilo é que era toponímica marxista-leninista e muito mais completa que a que havia encontrado nas cidades onde os gajos fizeram obra. O problema é que eu já andava numa de revisionista e fraccionista e trocava-lhes sempre os nomes. Queria ir pela Lenine, metia pela Che Guevara, queria ir para a Che Guevara e dava comigo na Ho Chi Minh. Uma chatice ml, sempre vos digo. Até era célebre e assunto nas noites quentes e sequiosas de Maputo, as pressões que a Embaixada do Reino Unido fazia para que lhe trocassem o nome de Lenine onde estava situada. O argumento british era que a Rua se devia passar a chamar Churchil tanto mais que o gordo fumador de charutos havia visitado a cidade quando era jovem e aventureiro. Nada feito. Ainda não estavam reunidas as condições para tão radical mudança. Resultado: a Embaixada abriu uma nova entrada para outra Rua que tinha um nome menos fóbico de um dirigente africano qualquer. O que me safava era que uma das Avenidas principais escapavam ao portfólio dos vetustos socialistas científicos e revolucionários e chamava-se familiarmente 24 de Julho. Andei um ror de tempo convencido que tinham baptizado assim aquela Avenida para facilitar a vida aos portugas cooperantes e negociantes. Resolvi fazer a confirmação junto dos meus amigos moçambicanos. Qual quê. A data tinha a ver com o Dia das Nacionalizações e assim se mantinha até que lhe trocassem a data pelo Dia das Privatizações que já não me lembro quando foi. Havia quem defendesse que se devia varrer os nomes de antigamente e substitui-los por nomes de árvores e de flores. Quando deixei de ir a Maputo, o ml ainda dominava a toponímia e não tenho informação sobre o panorama de hoje. Não me admira se em novo regresso tenha de memorizar nomes como Avenida do Imbondeiro, Rua das Acácias e Travessa das Papaias. Bem mais fácil para o visitante, está mais que visto.
As pobres e úteis mochilas tornaram-se, agora, um detonador de pânico. Para uns, porque, para outros, é motivo de risada. Num caso e noutro, as desgraçadas não estão a ter vida fácil.
O certo é que passámos a estar atentos às mochilas. Sobretudo se estas resolverem fartar-se das costas do dono e decidirem repousar e apanhar um banho de sol. Ou encostaram-se solitárias a um canto de uma estação de metropolitano para pensarem na vida e na sua triste sina de serem estivadores por conta alheia.
Antes, olhadas como objecto útil e estimável, são agora vigiadas e mal amadas. Agora se alguém se sentar sossegado num banco de comboio e quiser descansar as costas, dando também descanso à diligente mochila, o mais certo é receber um olhar de desconfiança feroz do vizinho e arrisca-se a ouvir Esta mochila é sua? Então não se importa de a chegar para lá?.
É assim a vida, tão depressa se está na mó de cima como na mó de baixo. Se isto acontece ao comum dos mortais porque é que a desdita da montanha russa dos prestígios e repulsas não havia de chegar às ditas cujas?
Os portugueses têm agora uma relação dividida para com as mochilas e para com o tratamento de segurança que elas estão a ter. Certo e sabido que se se encontrar uma mochila abandonada, alguém vai gritar o que é anda a polícia a fazer que não rebenta com esta porcaria? mas se a bófia vier com as suas traquitanas, mandar evacuar o local e fizer a mochila em fanicos, há-de aparecer alguém perdido de gozo estes gajos estão paranóicos, não havia necessidade de darem cabo dos cadernos, dos pensos higiénicos e do telemóvel da rapariga!.
Pelo sim e pelo não, vou deixar de andar com a minha mochila (desculpa pá, mas vais tirar licença sabática). Apenas porque não é a primeira vez que, distraído como sou, me esqueço dela quando resolvo descansar as pernas. E quando voltasse a procurá-la, o mais provável é que a prestimosa tivesse já dado um estoiro. Não que eu seja homem de bombas ou de fogo de artifício mas porque, espero bem, os profissionais das Minas e Armadilhas não brincam em serviço.
Quando menos se espera, estala a divergência profunda e insanável. Neste caso, tudo por causa de uma árvore. Podia ser por causa da política, do gosto por um poeta, rivalidades do futebol, gostar da mesma mulher, embirração de bêbados, eu sei lá que mais. Mas não. Nada disso. A grande divergência deu-se por causa de uma árvore. Vejam lá naquilo em que se pode divergir em antinomias radicais.
Dei a minha opinião de passagem sobre o imbondeiro num post a propósito de Cahora Bassa. Disse que achei a árvore assustadora sempre que ela me apareceu na paisagem. Porque a acho lúgrube e ameaçadora no seu porte e recorte. Assim, como quem não quer a coisa, desopilei lateralmente sobre o imbondeiro em opiniões que expendi, solenes e graves, sobre a obra da Barragem de Cahora Bassa. Do género de uma biqueirada nas canelas, de raspão e na passagem. Se a árvore me assusta, que mal tem exorcizar um dos meus pequenos medos? Que, para o caso, até foi uma forma de lhe prestar homenagem. Porque, diga-se de passagem, sem ser um valentão, não me mete medo quem quer e não sou aquilo que se possa chamar de assustadiço.
Pois tanto bastou, a tal minha frase menos respeitosa relativamente ao imbondeiro, para que o feitor da
Ma-Schamba se impertigasse, lavrasse o seu protesto e declarasse solenemente a ocorrência de uma divergência profunda e insanável. Nem menos. Ora toma!
O que não me evita três coisas:
Primeiro Continuar a achar que o imbondeiro tem uma estética única e um porte e recorte (sobretudo em contra-luz) impressionantes mas assustadores e vê-la como sinal de mau presságio. Crendices minhas, talvez.
Segundo - Registar a grande divergência com o Ma-Schamba.
Terceiro Confirmar que o paleio entre blogues também é feito de pequenos nadas.
Um abraço até às margens do Índico.
Que me desculpem os meus amigos sportinguistas e portistas, mas eu sou mesmo do Benfica.
E porque amo este Clube, respeito os outros Clubes. A minha rivalidade esgota-se nas quatro linhas e em noventa minutos de cada vez, em que quero que o meu Clube ganhe e os outros percam. Aí há partilha de dor e alegria com os meus e respeito para com os outros. Fora isso, nada mais é importante porque nada mais se pode intrometer na minha paixão. Que é pessoal e intransmissível, antes e depois dos tais noventa minutos.
Penso assim, talvez, porque tenho um Clube e não tenho Anti-Clubes. Nem preciso deles. Provavelmente porque o meu é grande - mesmo nos baixos quanto mais nos altos - e não existe contra outros. Porque não tem termo de comparação. Porque é o Benfica.
Não me ofende o anti-benfiquismo. Porque sou mesmo do Benfica.
Quinta-feira, 18 de Março de 2004
Não perdoo ao Governo Cubano, a Fidel Castro, a Che Guevara e aos seus companheiros, as ilusões traídas que levaram parte da minha geração (a que combateu o salazarismo e o marcelismo) a acreditarem que aquela ilha seria o exemplo da luta pela liberdade e pela igualdade segundo um modelo romântico em que revolução rimava com libertação.
Não perdoo aos revolucionários barbudos terem-me levado a colocar o poster de Che na minha sala nos tempos de resistência, como um ícone, para ter o gozo de ver a cara dos pides darem de frente com os seus focinhos contra o rosto mítico do Cristo Revolucionário quando me entrassem pela casa dentro.
Não perdoo aos castristas de, em vez de liberdade e de igualdade, terem suprimido as liberdades e degradarem, cada vez mais, as igualdades.
Não perdoo à súcia de burocratas, de polícias e de torturadores, desde Raul Castro até ao último dos pides cubanos, transformarem a mítica ilha da liberdade numa ilha de prisões e com o maior índice per capita de prisioneiros por delito de opinião.
Não perdoo ao ditador Castro arrastar o seu país agarrado ao seu destino humano de um dia ter de deixar o reino dos vivos, impedindo até ao seu último suspiro que Cuba respire a democracia e as liberdades e possa ter uma transição pacífica em vez de levar os cubanos ao ajuste de contas.
Não perdoo a Fidel Castro ter feito uma Revolução no seu país para se portar pior (muito pior) que Fulgêncio Baptista.
Não perdoo aos revolucionários-polícias cubanos destruírem a liberdade de imprensa e aprisionarem jornalistas independentes e outros que pensam diferente, cumprindo-se hoje um ano desde a data em que 75 opositores foram condenados a penas até 28 anos de prisão e que, no seu conjunto, perfazem 1.475 (MIL QUATROCENTOS E SETENTA E CINCO) anos de presídio.
Não perdoo aos polícias-revolucionários cubanos deixarem os seus presos políticos morrerem de doença e com falta de assistências médica, internados em masmorras distantes em 500 quilómetros das suas residências, alguns em celas solitárias de 3 por 4 metros.
Não perdoo aos polícias-polícias cubanos não permitirem que os presos políticos sejam visitados pela Cruz Vermelha Internacional ou pela representante do Alto Comissário das nações Unidas para os Direitos Humanos a magistrada francesa Christine Chanet.
Não perdoo ao pulha cínico que é Ministro dos Negócios Estrangeiros de Cuba, Señorito Camarada Pérez Roque ter afirmado ontem em Genebra, na reunião da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que "Cuba reivindica el derecho a aplicar sus leyes para defenderse de la agresión, así como a enjuiciar a los mercenarios que colaboran con el bloqueo y la política agresiva de la superpotencia que quiere reconquistar y subyugar a su pueblo", falando assim de jornalistas e de opositores.
Não perdoo ao cantor Sílvio Rodriguez, também deputado à Assembleia Nacional, que tenha dito cobardemente "He defendido a este gobierno porque creo que encarna lo mejor de nuestras esencias como país y como historia. No soy más abiertamente crítico porque tengo más que claras las manipulaciones que inmediatamente aparecerían". Porque demonstrou que, em vez de causas e de valores, está rendido ao maquievelismo do poder e do jogo das dicotomias redutoras Bush ou Fidel.
Não perdoo à maioria dos jornalistas portugueses, recebendo as suas folhas de salários dos grupos económicos que controlam a maior parte da comunicação social, que guardem silêncio politicamente correcto sobre a (triste) sorte dos seus camaradas cubanos.
Não perdoo aos que evocam Caxias, Peniche, Aljube e Tarrafal, e não levantam um susurro sequer contra as prisões políticas cubanas.
Não perdoo aos defensores das amplas liberdades aqui, mas que, na Ilha, acham a liberdade contra-revolucionária.
Não perdoo aos que alimentam a economia do dólar da Cuba Prisão, gozando as delícias de Varadero e conseguem ir lá, dançar a salsa, beber rum e fumar habanos, sem sentir uma dor no estômago pelos gemidos da tortura, da doença e do isolamento dos presos políticos cubanos.
Não perdoo os que se manifestam contra Bush, Durão e outros malfeitores, mas não levantam uma simples folha A4, ou emitam um post de uma linha nos seus blogues, a exigir, HOJE, a libertação dos presos políticos cubanos.
Não perdoo? Perdoo. Perdoo tudo. Por causa do Inimigo Principal. A América, pois claro. Os cubanos que se lixem, CONTRA BUSH, MARCHAR, MARCHAR!
Reflectindo ainda sobre a aliança contra-natura e oportunista na Caríntia (Áustria) entre o Partido Social Democrata Austríaco e o FPOe de Haider, não vou por muito mais na escrita sobre a obscena aliança. Aliás, já vimos disso por outras bandas. O problema é politicamente congénito pelas bandas social-democratas e, de vez em quando, têm recaídas. Mas as suas ressonâncias talvez justifiquem trocarem-se algumas ideias.
O que gostaria de sublinhar é a justificação dada para este casamento de prostitutas. Nada menos o facto de que na Caríntia existem ainda muitos pangermanistas e até mesmo cidadãos saudosos do III Reich.
Será verdade. A Áustria tem sempre, neste domínio, surpresas desagradáveis quando menos se espera. Lembram-se de um Senhor austríaco que conseguiu, anos a fio, ser Secretário-Geral da ONU e depois se descobriu que tinha sido oficial das SS durante a Segunda Guerra Mundial?
Também é verdade que a Áustria, país hoje pequeno, tem problemas culturais e históricos que são de complicadas soluções. Por um lado, a sua tradição imperial e militarista que foi humilhada no final da Primeira Guerra Mundial. Por outro, a forte componente de pertença germânica de vastos sectores que permitiu o Aushluss (anexação da Áustria ao Terceiro Reich) em Março de 1938. Em paralelo, têm uma forte e histórica corrente social democrata, que já foi extraordinariamente combativa, e uma cultura de largas tradições embora com uma enorme tendência para se cristalizar. E foi por um fio que, no após-guerra, a Áustria escapou a ser incorporada no bloco das democracias populares. Pois, e Hitler era austríaco por nascimento.
No ressurgimento austríaco após 1945, a social-democracia (fortíssima em termos sindicais e políticos) fossilizou pelo poder prolongado, aburguesou-se e apostou no isolacionismo, no seu papel de charneira de vias de comunicação inter-europeias e em turismo de valsas, violinos, coros de meninos e passeios de bilhete-postal. Foi perdendo causas e valores. Os restantes europeus assistiram impávidos e deram à Áustria o papel do destino turístico monumental e musical com tratos de estimação. Viena tornou-se local de peregrinação turística que qualquer pequeno burguês europeu ainda hoje não dispensa. Até que os austríacos, sem grande convicção, lá aderiram à União Europeia. Bons rapazes, portanto.
O braço nazi austríaco foi dos mais fortes do Partido Nacional-Socialista. Os oficiais austríacos gabavam-se de serem a aristocracia do Exército Alemão e muitos foram os austríacos que se destacaram nas SS. Pelos vistos, muita dessa gente hoje tem peso político (sobretudo na Caríntia) suficiente para terem fabricado Haider e levarem os sociais-democratas lá do sítio a andarem agora, de esfregona nas mãos, a limparem os mármores para as passeatas dos saudosos da Grande Alemanha e dos reformados do Terceiro Reich.
Os direitinhas de momento andam para aí a falar do espírito de Munique a (des)propósito do resultado eleitoral em Espanha. Mas, se querem ver Munique, olhem para Caríntia. Aí sim, temos os herdeiros da besta e uma cambada de sabujos a lamberem-lhes a mão. Até quando? Até onde?
(Nota: A imagem que ilustra este post mostra a entrada triunfal de Hitler em Viena de Áustria depois da anexação deste país pela Alemanha; esperemos não a voltar a ver em versão actualizada com Haider no lugar do gajo do bigodinho e com os dirigentes do PSDA a conduzirem-lhe a viatura.)
Quarta-feira, 17 de Março de 2004
Deliciosa a estória que o
Ma-Schamba nos conta sobre a suprema cultura de alguns dos nossos diplomatas lusos:
Há anos o primeiro-ministro Guterres visitou Moçambique. Foram então condecoradas algumas personalidades moçambicanas (penso ser um hábito nestas ocasiões). Lembro-me que Mutola, Rangel e Naguib o foram, o que não me parece ter sido nada má escolha (e, sem desprimor, achei óptimo condecorarem Rangel). E também Mia Couto foi condecorado com um grande colar rutilante.
Estavam pois nas entregas, de cujos preparos se encarregava alguém do protocolo português. Diante de plateia apinhada e até cerimoniosa este lá ia lendo perfis e atributos respectivos, e à chamada cada um avançava à vez.
Estava-se nisto quando se ouve na sala um sonoro, grave (aquele som cavo protocolar, imagine-se) e bem com-pas-sa-do "Senhora Dona Mia Couto", e tudo a entreolhar-se em sorrisos quasi-explodidos enquanto lá avançou o Mia, com aquele ar de suave traquinice a dar o pescoço ao colar, como se nada fosse [ainda hoje imagino o que terá pensado o orador quando se deparou com aquela barba, mesmo que rala].
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que estereliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
(Carlos Drummond de Andrade)
Parte importante da minha actividade profissional em Moçambique foi desenvolvida na Barragem de Cahora Bassa. Dessa experiência, nas duas vezes em que lá estive, ficou-me uma memória inapagável.
Primeiro, a experiência de aterrar em Tete ou vir de jeep desde a Beira aos saltos (via Chimoio) e fazer o percurso por estrada até ao Songo, em que os cabritos são quem mais ordenam, obrigando a testarem-se permanentemente os travões. Passando do calor tórrido e insuportável de Tete feita em cacos para o fresco da montanha até nos chegarmos à garganta do Zambeze, trocando as cubatas que tudo devastam pela procura do bem essencial que é a lenha pelo inóspito panorama (algo necrófilo) dos imbondeiros de mau presságio. Depois o casario triste e semi-abandonado do Songo para nos espantarmos com a grandeza do génio humano, olhando do alto da barragem para o monstro da cascata artificial. No meio dos afazeres, descer ao miolo do monstro do betão e ver as coisas a rolarem em português com a quota cumprida de técnicos moçambicanos em eterno tirocínio.
O convívio com os patrícios revela a maneira própria de ser daqueles técnicos isolados no fim do mundo. E perceber a forma entranhada como eles ganharam amor pela obra, pelas suas doenças e as suas curas.
Cahora Bassa foi o maior elefante que o colonialismo deixou em África. Custou-nos e custa-nos os olhos da cara, sobretudo porque os sul-africanos exploraram (e de que maneira!) a fragilidade da nossa continuação naquelas terras.
Falando com os patrícios que ainda por ali se mantêm, a opinião foi unânime: devíamos largar isto para os moçambicanos mas na hora em que o fizermos, faltará pouco para a Barragem deixar de funcionar. Não sei se têm razão, não tenho dados para os desmentir.
É uma das maiores obras em África em que o homem desafiou a natureza. Cahora Bassa tem um enorme potencial para o desenvolvimento da África Austral. Veremos como as coisas acabam. Desejo que em bem. Temo que termine mal.