Pela minha experiência vivida de adoptado, quando criança e adolescente, sei que não há adopções, por mais conseguidas que o sejam, consideráveis como completamente felizes. O que nada me concluindo contra a adopção, pelo contrário, consolida a minha convicção de que esta, nunca sendo melhor que um mal menor, é uma escolha preferível, do ponto de vista da criança, entre o afecto e o respeito versus miséria, degradação ou abandono. Apesar de a biologia nunca ser compensável pelo bem estar e pelos bons tratos, incluindo os afectivos. Suponho que disso sei mais e melhor que todos os psicólogos, psiquiatras e políticos reunidos em seminário sobre o tema, embora eu não publique papers nem faça leis, muito menos vote no parlamento. A adopção, sendo sempre um mal remendado, se entendido como um direito da criança, como agora bem se diz, então deve abranger ninhos adoptivos com capacidade de (em)prestar afecto e de construir uma muralha protectora que defenda a criança, o mais possível, dos efeitos eminentemente violentos de crescer fora do seu seio biológico, com a humildade de se saber que a violência contra-natura original do processo é incontornável e inelutável, ela está lá, restando amenizá-la e torná-la digerível no processo de maturação da personalidade até esta ter asas para voar sozinha. A criança que cai nesta roleta da vida, a da fatalidade da adopção, tem de ter pais substitutos mais sábios que os pais biológicos, estes sempre e apenas pais pela vontade, pela ocasião e pela biologia, nunca sujeitos a exame prévio de aprovação. É isso, apenas isso, que deve ser exigido aos que se candidatam a adoptar. Com todo o rigor, nunca a despachar nem a descartar hipóteses de sucesso à partida. Exercendo-se um critério de selecção que, infelizmente, não é aplicável aos pais biológicos enquanto candidatos e essa responsabilidade. O que está, afinal, consagrado (e muito bem) na lei da adopção. Neste sentido, a sociedade e o Estado, têm hoje instrumentos selectivos mais rigorosos e comprováveis para com os pais adoptivos que relativamente aos pais biológicos que continuam a gozar da total impunidade reprodutora. Assim os usem e bem. Não há nada que demonstre que a capacidade de se ser pai ou mãe adoptantes, com talentos nesta função, tenha a ver com inclinações particulares, sejam de ordem política, cultural, religiosa ou de orientação sexual. O problema exclusivo numa adopção, do ponto de vista da criança, é esta encontrar um ambiente nuclear próximo em que predominem o afecto, o respeito, a liberdade, a pedagogia e o permanente bom senso, tudo suportado, naturalmente, por uma capacidade de sobrevivência societária e económica, as condições de felicidade máxima e possível que minimizem o desastre ou o drama que originaram a adopção. E isso, um pólo bi ou monoparental, um negro ou um amarelo, uma parelha heterossexual ou um casal de lésbicas, podem cumprir os requisitos, se os cumprirem. É uma questão de perfil ou perfis, nunca um problema de opções além do afecto e da capacidade de educar e fazer crescer. Desde o salazarismo que instituiu uma prática adoptiva aleatória, magra de regras e isenta de deveres e direitos sólidos, assente numa ideologia catolicista de matriz meramente caritativa, aquela que eu vivi na pele do meu crescimento porque isso me calhou em sorte, até ao reino actual da crescente consolidação dos direitos humanos, excluir os casais homossexuais, se futuramente casados de acordo com a lei em projecto, da capacidade de adoptarem, chamem-lhe o que chamarem, nunca será uma atenção para com os direitos da criança, muito menos para com as crianças adoptadas. Será, antes, um gradualismo tacticista digno de tartufos num compromisso de piscadelas de olho oportunistas abrangendo sacristias e lobbies de gays socialistas-socráticos, procurando a benevolência condescendente dos bispos e do reaccionarismo cavaquista. Não mais. Mas menos, muito menos, em termos do que é exigível pela evolução societária e cultural na marcha da modernidade portuguesa. Levantando um novo paradoxo no desiderato deste socratismo de agonia que vivemos e a cheirar cada vez mais a podre: um projecto de lei aparentemente destinado a elevar os direitos dos homossexuais, permite consagrar, de forma explícita, uma aditiva discriminação dupla – para com a capacidade potencial de adopção pelos casais de homossexuais e relativamente às crianças candidatas à adopção, diminuindo para estas as probabilidades de serem escolhidas por eventuais boas escolhas de pais substitutos com talento. É obra, é o PS-Sócrates no seu pior.
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