Segunda-feira, 21 de Julho de 2008

A ODISSEIA DO CAMARADA ÁLVARO DA QUINTA DA FONTE

 

Embora o assunto seja suficientemente sério para não merecer galhofa, contaram-me uma que não resisto a partilhar:
 

Inquieta com a situação na Quinta da Fonte, a célula local do PCP reuniu-se. Após vivas discussões, decidiu-se colocar o problema à direcção do Partido para receberem orientações. Para a tarefa, foi destacado o camarada Álvaro, pelo nome, por ser membro do secretariado da célula e porque era jovem e veio da classe operária (está a frequentar as "novas oportunidades" mas trabalhara antes, por não querer estudar, numa oficina onde se trocavam matrículas de automóveis). E o camarada Álvaro cumpriu, como lhe competia, o percurso habitual do centralismo democrático. Foi logo direito à Comissão de Freguesia. Daqui, depois de ficar a saber que os problemas advinham da política de direita do PS, passou para a Comissão Concelhia em Loures, onde foi esclarecido que os problemas não eram só culpa do PS mas também do Sócrates. Encaminhado para a Organização Regional de Lisboa, percorreu a via sacra dos transportes públicos até chegar à Avenida da Liberdade, onde a camarada Rosa, da Comissão Política, o recebeu no seu gabinete, ouviu-o pacientemente e elucidou-o que os problemas não vinham só do PS e de Sócrates mas também do Presidente Cavaco, explicando-lhe, à laia de conclusão, como devia apanhar os autocarros até à Soeiro Pereira Gomes, onde o Secretário Geral o receberia. Meio zonzo de tantas voltas, com a barriga a dar horas, o camarada Álvaro lá chegou à sede do PCP, onde, dizendo ao que vinha, e depois de identificado com o cartão do partido e o bilhete de identidade (por causa dos provocadores), o responsável da segurança, fazendo vista grossa ao evidenciado atraso no pagamento das quotas, guardando os cartões, abriu os ferrolhos de acesso à fortaleza do Olimpo e meteu-o, acompanhado por um camarada mais gordo que musculado, no elevador até ao piso cimeiro onde o camarada Jerónimo o recebeu efusivamente com um daqueles apertos de mão que só os operários experimentados e com forte espírito de classe sabem trocar entre si. Em conversa animada e fraterna, o camarada Jerónimo ouviu atentamente (mais a si próprio que o Álvaro), tomou notas sobre notas, explicando, em fim de conversa, que o problema não era só o PS, Sócrates e Cavaco, mas residia principalmente, essa era a questão central, no incumprimento da Constituição, rematando com uma máxima muito sua: "quem luta nem sempre ganha, quem não luta perde sempre". E dando-lhe um abraço fraternal, acompanhado de uma piada inocentemente brejeira ("se fosses uma camarada, dava-te dois beijinhos, assim ficas pelo abraço") pontuada por uma gargalhada sonora capaz de fazer vibrar o tecto zincado de uma antiga fábrica da Cintura Industrial, prometeu que abordaria a questão da Quinta da Fonte no seu próximo discurso. Depois, disse-lhe para descer, mas sempre acompanhado, até ao piso térreo onde o esperava já a camarada Anabela da redacção do “Avante”. Esta, declarando-lhe a abertura do órgão central do Partido para os problemas concretos e as lutas dos trabalhadores e das populações, fez-lhe uma longa entrevista em que, mais uma vez, o camarada Álvaro detalhou os quês e os porquês dos problemas e da fogachada na Quinta da Fonte. No final, a camarada Anabela acrescentou ao rol de culpados pela situação na lista que o camarada Álvaro tinha visto a aumentar em cada passo percorrido da montanha russa em que viajara pelo centralismo democrático, que, segundo a opinião pessoal dela que não comprometia nem o Partido nem o “Avante”, o que fazia falta em Portugal, para combater o PS, Sócrates, o Cavaco e a violação da Constituição, eram umas FARC à maneira. E felicitou-o pela entrevista que ia, sobre isso não tinha dúvidas, dar brilho à próxima edição do “Avante”. Acrescentou que também ia dar uma palavrinha à camarada Margarida, responsável pelos camaradas da frente de luta na blogosfera, para não deixarem morrer o assunto e trocar com ela umas impressões para depois se elaborar um texto com links para os comunicados do Partido, para, após os retoques de estilo a serem dados pelos camaradas Dias e Vilarigues e depois de aprovado por um camarada responsável, os blogo-camaradas, sem mexerem sequer nas vírgulas, espalharem em "copy-paste" por tudo quanto é post (dos nossos) e caixa de comentários (dos da reacção). O camarada Álvaro disse que sim senhora cara camarada, mas estava demasiado fraco para mais entender pois, desde o desjejum da manhã, nada mais comera e o sol já ameaçava retirada. A camarada Anabela, pressurosa e pragmática, levou-o até ao bar da Sede, mandou vir uma sandes de presunto e um galão, sossegando-o “come que paga o partido”. Depois, acompanhou-o à porta (onde o camarada Álvaro recebeu de volta os cartões) e desejou-lhe boa sorte na luta. De regresso à Quinta da Fonte, já a noite se estendia para dar contraste às balas perdidas, o camarada Álvaro ainda teve forças para reunir a célula e fazer o ponto da situação:

“- Olhem, camaradas e amigos, resolver não resolveram nada, porque tudo é culpa do PS, de Sócrates, do Cavaco, das folhas rasgadas na Constituição e de não termos FARC, mas pagaram-me o lanche e podemos estar todos confiantes – O NOSSO PARTIDO TEM UMA GRANDE ORGANIZAÇÃO!”.

 

---

 

Adenda (22/7/08): O Álvaro não se cansou totalmente em vão. Conseguiu que a CDU-Loures falasse sobre a Quinta da Fonte. Embora, diga-se, o resultado não tenha sido famoso. A CDU defende as maravilhas urbanísticas daquela "Litlle RDA" porque foi na sua gestão que implantaram aquele modelo de guetto bi-étnico e agora, perante os problemas, com uma gestão autárquica de cor diferente e com um "governo de direita", fazem não só uma apologia de soluções securitárias, espantosamente parecidas com as posições de Paulo Portas, como tomam partido por uma etnia contra a outra. Assim, em efeitos acumulados, o Álvaro conseguiu que o centralismo democrático funcionasse como fruto de uma "máquina em termos de organização", mas não resolveu problemas, apenas, apesar da sua odisseia, foi ter com quem os aproveita. 

 

Publicado por João Tunes às 14:34
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17 comentários:
De Alexandre Monteiro a 21 de Julho de 2008
Um dos melhores posts que li nos últimos tempos.
Meus parabéns!
De Odete Pinto a 21 de Julho de 2008
Excelente e muito eloquente texto.

Vá lá, o Álvaro sempre ganhou uma sandes e um galão, sempre é melhorzinho que a célebre anedota das botas e a organização do PCP, que se contava por alturas do PREC. Lembra-se?
De João Tunes a 21 de Julho de 2008
Cara Odete, as anedotas políticas são constantes e eternas, vão-se é actualizando e ganhando cores locais e temporais. E até saltando de uma cor política para a oposta (muitas anedotas sobre a estupidez do Tomás foram transpostas, por retornados, para denegrir o Samora). Até acho que elas, as anedotas, já foram todas inventadas. Aqui não inventei nada, limitei-me a partilhar uma que ouvi.
De Helena Velho a 21 de Julho de 2008
Obrigada pela partilha
De Rui Bebiano a 21 de Julho de 2008
Não lhe chamaria anedota (no sentido vulgar do termo), mas sim fábula.
De João Tunes a 22 de Julho de 2008
Vá lá, uma coisa misturada com a outra, mais ou menos meio por meio...
De como é mesmo meu nome? a 22 de Julho de 2008
PARABÉNS! Há muito, muito tempo que não passava aqui por seu blogue... Em boa hora o fiz, para ler este saboroso e bem inspirado (na forma e no conteúdo) naco de prosa. O que eu me ri a ler a "via sacra" do camarada Álvaro da Q. da Fonte...
De Joana Lopes a 22 de Julho de 2008
Joao,
Isto lido na Alasca faz ca' uma impressao!...
Abraco
Joana
De João Tunes a 22 de Julho de 2008
Imagino, Joana, imagino. Sobretudo pela falta de acentos que há por aí. Agasalhe-se e divirta-se.

Abraço (cedilhado)
De antonio m p a 22 de Julho de 2008
Isto é uma grande aldrabice que adapta uma velha anedota que se contava no próprio interior do PCP. E "para a mentira ser segura e atingir profundidade", trás realmente à mistura alguma coisa de verdade - pelo menos vê-se que foi escrito por quem conhece os meandros da organização. Como ficção, tem piada. Como denúncia, é abjecta. Digo eu que não tenho interesses no assunto
De João Tunes a 22 de Julho de 2008
Não se abespinhe, homem, pois como bem disse é uma mera anedota refundida (ou reconstruída, se se preferir, ou, ainda para outros paladares, m-l). Mais atrás houve quem lhe desse o estatuto de fábula, eu quis fechar negócio com o meio-por-meio, mas foi mera condescendência para um blogo-companheiro estimado. Mas se tanto o indignou, pedindo ajuda ao bom do Aleixo, também poeta de minha estimação (e a admiração para com o dito cujo aumentou quando ele passou a dar nome à rua onde moro) e também muleta habitual para os discursos do Jerónimo, tem bom remédio: mude de passeio que nós por cá ficamos todos bem.
De antonio m p a 25 de Julho de 2008
Antes de mudar de passeio, do seu passeio, gostaria de lhe dizer que admito ser inadequada a classificação que dei ao seu conto, apesar de condicionada pela hipótese afinal desmentida de se tratar de uma denúncia, isto é, de pretender relatar factos.

Como metáfora reconheci desde logo e reconheço o seu mérito. O meu erro foi sobretudo não ter sentido que, em qualquer caso, a classificação poderia ser ofensiva apesar de se dirigir ao artigo e não ao autor. Acredite ou não, nunca esteve na minha intenção ofender até porque tenho consideração pelo que escreve aqui e admiração pela forma como escreve.

Desculpe ter voltado cá mas foi só para repôr alguma verdade que por minha culpa ficou mal clarificada. E como dizia Mao, salvo erro - que não me atrevo a citar Aleixo novamente - a palavra dita é uma das coisas que não podemos fazer voltar atrás.

António Marques Pinto
De João Tunes a 25 de Julho de 2008
Por mim, o assunto está cabalmente esclarecido. E como guardo o meu rancor para coisas muito graves que me indignam, cada qual com suas causas, aqui fico no meu passeio sem ressentimento. Apareça quando quiser se não se ativer a um equívoco resolvido.
De Van Aerts a 22 de Julho de 2008
Calhou o turno do António, eu que apostava na Margarida, ela que já deixou um rasto de baba na blogosfera ainda mais distinto que as respectivas participaçoes parlamentares.
De João Tunes a 22 de Julho de 2008
Duvido, justiça seja feita, que "este António" pertença à turma da "Margarida". E que a famosa "Margarida" (que assim se deve chamar tanto como o meu nome é Mariana), a que é membro proeminente da "Brigada de Ciber Intervenção" do PCP (uma cópia, afinal, de idêntica brigada cubana que faz o seu trabalho de sapa para "empastelar" os bloggers cubanos independentes, nomeadamente o "Generación Y") e que, volta e meia, ataca por aí, tenha sido deputado(a) da Nação. A "indingência margarida" não me aponta nesse sentido mas há muito que não sei o que de pior a casa gasta. Talvez o estimado visitante e comentador tenha informações up-dated, porque não?
De Van Aerts a 26 de Julho de 2008
Viva, nao tive oportunidade de lhe responder pois hoje prácticamente só faço a esta casa visitas de médico pois o trabalho nao mo tem permitido mais. (notar que no meu caso o aumento de trabalho nao significa aumento de produtividade)

Tenho a ideia que a margarida é a margarida botelho que creio que ainda é deputada pelo pc e que já há algum tempo ela deu isso mesmo a entender no blogue arrastao, claro q pode ser mais um/uma anónima avençada do pc mas se nos recordarmos da obra 1984 e do aspecto de carochas (como a botelho por sinal) de alguns funcionários que só tinham que escutar os microfones escondidos em nenhures vemos que esta é uma funçao similar á que tem agora a margarida em vigiar os espaços dos "traidores" que tanto dano causam ao partido.

Mais, se for mesmo a botelho temos de dar o braço a torcer e reconhecer que o empenho dos deputados do pc nao se esgota na actividade parlamentar.

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