Dando o flanco da sinceridade, reconheço que foi uma óptima ideia a “campanha do não” ter dado ribalta de protagonismo a Zita Seabra. A ideia, teoricamente, estava bem esgalhada: ainda perdurando a imagem de arquivo da luta das calendas pela liberalização do aborto quando ela era da CP do CC do PCP, a sua actual “conversão” era o trunfo para demonstrar que não há alma pecadora que não seja convertível. Mas, na prática, o desconchavo contorcionista da senhora está tão mal esgalhado que traz, á causa (dela), mal e caramunha.
Não sei se, quando dirigente do PCP, portanto na vanguarda da classe operária, Zita Seabra sabia como era e vivia o “povo”. Talvez não, pois suponho que ela só lidava com células de estudantes universitários e de intelectuais, ou seja com as franjas revolucionárias da classe média e remediada. Do resto, terá conhecido apenas os punhos levantados e apontados em comícios de fé exaltada. Mas se então o “povo” lhe era pelouro estranho não será agora que lhe vai sentir o cheiro, os hábitos, os desopilos e os constrangimentos.
Cada qual generaliza a partir do que sabe e conhece. E depois idealiza ou não cenários à conta da água que quer acartar para o moinho. O meio actual de Zita Seabra deve estar repleto de meninas e senhoras sexualmente educadas e controladas, até nas horas boas e quentes, com a aparência e pronúncia da sua companheira Tété, com aproveitamento nas aulas de educação sexual, sem falhas nas consultas de planeamento familiar, a carteirinha da pílula na carteira de mão junto à colecção de camisinhas, além do inevitável porta moedas com os trocos para, se necessário, ir ao Hiper comprar a “do dia seguinte” para o caso de tudo o mais falhar.
Um dia destes, Zita Seabra vai andar por aí, conhecendo o que não viu, não ouviu e não sentiu. E então perceberá que há mais mundo(s) além dos estudantes, das senhoras de laranja e da Tété. Não já, por favor. Até ao referendo, continue a ajudar o “sim”. Se não se importa.
De Try_Logic a 1 de Novembro de 2006
Isso mesmo caro amigo! Faz bem mais a Dra. Zita Seabra pela campanha do "sim" do que centenas de Dras. Edite Estrelas pelo "não". A Dra. Edite Estrela é coerente conhece mundos diferentes dos que pertencem aos estudantes, às senhoras de laranja e às Tétés. A Zita...a Zita é uma croma (isto em linguagem vulgar), ex-comuna, armada agora em dama finesse e defensora do indefensável pela sua trajectória de vida. A Zita pertenceu à vanguarda, ao povo evidentemente...agora é uma caricatura daquilo que eu próprio, quando miúdo, me habituava a a reconhecer nela enquanto pessoa. Era a Zita Seabra. E recordo-me também da Edite Estrela. E vejo-as as duas presentemente. É realmente a vida. Tenho, no dia de hoje, como convicção que caso volte a haver referendo sobre a despenalização do aborto o "sim" receberá um voto maioritário de quem votar. É uma inevitabilidade. Quero apenas que fique com a seguinte convicção, mas fique mesmo...você não vai "ganhar" a pessoas como a Dra. Zita Seabra ou ao regimento dos bispos de Braga e arredores (a esses "ganharão" as tais meninas do bloco de esquerda). Você vai-me ganhar a mim e ao Dr. Gentil Martins (actualmente um palhaçito gágá que até leva para a televisão o seu diploma de curso, relembrando aos seus colegas um juramento miserável..). A questão que aqui se trata volto a salientar (sem qualquer demagogia) é a do direito a viver. Tenho mesmo muita pena de estar a combater por um estranho exército cujas motivações, maioritariamente, sejam hipócritas e com segundas intenções redentoras...coitados, tenho mesmo pena deles acredite...Mas a história ( em minúsculas) vai-nos dar razão, demorando o tempo que demore, pois que o que aqui se dirime é simplesmente uma questão de ter, legalmente, o poder de tirar a vida a alguém arbitrariamente. Nada mais do que isso. Acredite que sei, na realidade, daquilo que falo e só por isso discordo, neste capítulo, de si.
Claro que entendo a discordância e que só me resta respeitar. Sem cuidar de prever a quem a história vai dar razão (contar com o favor da "razão da história" é ambição demasiada para a minha camioneta). Acrescento que a razão que invoca (ou princípio?) é a única que entendo e respeito na banda do "não". E não deve ser menosprezada como o fazem os defensores levianos do "sim". Porque é pela consciência das mães (as não paranóicas) que abortam de que interrompem uma vida que o aborto é sempre um drama (e fortemente traumático na maioria dos casos). Mas, numa humana e social escala de dramas (drama do aborto versus drama de gravidez não desejada) não vejo como o Estado deva ter capacidade e dever de penalizar quem opta pelo drama que, dolorosamente, considera menos danoso - para a mãe e para a futura criança. Ultrapassada a questão do aborto-crime (e agora é disso que se trata) e que contamina a questão, desmontado o negócio do "aborto clandestino", é evidente que tudo se deve fazer para que o recurso ao aborto seja residual e que a sociedade do adulto e pleno planeamento familiar com pleno uso dos métodos contraceptivos idealizada por Zita Seabra seja uma realidade. Mas, meu caro, reconheça que a maioria dos da causa do "não" não se pautam pelo mesmo seu critério humano do direito à vida, por muito que se fale nele. Porque, na maioria dos casos, o preconceito anti-aborto anda a par da defesa do castigo sexual no entendimento arcaico que sexo é só procriação. São os mesmíssimos que são contra a educação sexual nas escolas, o planeamento familiar, a contracepção (demonizando o preservativo), que organizam e motivam a causa do "não". E se é verdade que também a causa do "sim" comporta uma faixa de leviandade que vê no aborto um mero episódio da libertação sexual, o que me é repugnante, a banda do "não" está muito mais contaminada pela hipocrisia e pelos valores escondidos e manipulados. E é só por isso que julgo, e desejo, que o "sim" deve ganhar. Embora, como diz o outro, as previsões só devam ser feitas depois de acabado o jogo. Obrigado pelo seu contributo argumentativo.
De
SAM a 1 de Novembro de 2006
Pretendo abster-me de opinar sobre a (despenalização / liberalização do aborto. Não quero tecer opinião sobre algo no qual só temos opiniões e a acção não são nossas.
Apenas gostaria de dizer que do que vi do debate de segunda-feira, achei triste que nenhum dos lados tivesse a capacidade sequer de ouvir os argumentos do outro lado. O lado do sim, confiante da sua vitória não fez muito mais que defender superficialmente a sua posição e atacar atrincheiradamente o lado do não.
O lado do não argumentava com argumentos de um certo socialismo, com pessoas que se alegam de direita...
Será interessante? Eu diria brilhantemente triste! Enquanto os seres humanos não demonstrarmos capacidade de escutar ao outro, façamos o que fizermos as coisas não irão melhorar em nenhum sector colectivo e em nenhum domínio individual...
É brilhantemente triste!
É. Concordo. Mas como "tristezas não pagam dívidas"...
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