Segunda-feira, 3 de Março de 2008

EDUCAÇÃO, MANIPULAÇÃO E CIDADANIA

 

Cavaco Silva quando instado pelos jornalistas, neste fim-de-semana, a pronunciar-se sobre a “crise na educação” reagiu com sagacidade. Apelou ao diálogo, parte formal, mas vincou dois traços que, na algazarra, parecem estar a passar ao lado do confronto: a profunda promiscuidade partidária do género “quem interfere mais?” com que as oposições acirram a crispação entre professores e governo; a responsabilidade dos pais em intervirem na problemática do ensino, tornando-se parte das soluções e do rumo das mudanças.

 

Quanto à partidarização da luta dos professores, num arco vermelho-azul-laranja, ela é tão evidente que não vale a pena acrescentar o quer que seja. Já o relativo vazio de se ouvir as vozes dos pais, o assunto será menos perceptível.

 

Todo o problema actual na educação, havendo efectivamente um problema e não pequeno, é passado para a opinião pública como uma ofensiva agressiva contra os professores, assistindo-se agora à reacção das vítimas. Como se a escola se reduzisse ao binómio ministérios-professores, desaguando num problema laboral entre as partes. Esta concentração de protagonismos, gerada pela arrogância ministerial e pelo enorme poder corporativo acumulado pelo sindicalismo do ensino, indica que as escolas existem para o ministério ditar sentenças e os professores reagirem, como se a escola fosse um mero local de trabalho cuja finalidade é dar emprego aos professores. Neste afunilamento, o ensino afasta-se do conceito de serviço público, perdendo-se a perspectiva que a escola serve os alunos, os “clientes finais”, ensinando-os, com a obrigação de os ensinar bem, cada vez melhor.

 

Se os sindicatos se mexem com o maior frenesim, estando no seu papel, se os partidos da oposição se imiscuem e inventam todas as boleias possíveis e imaginárias para o avolumar das crises, não recuando perante as mais espantosas alianças, se os fiéis do partido no poder assistem passivos e coniventes na esperança que a ministra se desenrasque e a borrasca passe, o que fazem os representantes da parte mais interessada com o estado do ensino (os pais dos alunos)? Numa cultura em que a proximidade, sobretudo a proximidade familiar, é quase tudo e, em questões críticas, mesmo tudo, só pode haver o que há: um enorme défice de responsabilização (além do problema concreto do rebento de casa) e perspectivação colectiva sobre os caminhos do ensino. E é por isso que no cortejo de protestos, manifestações, gritos e arraiais, temos engalfinhados ministra, professores, sindicatos e partidos, mas não temos os pais, ou suficientes vozes dos pais, afastando-se assim os alunos, aqueles que, no concreto, são a razão para haver escolas, professores, ministério, sindicatos, partidos. E é nesse deserto da atomização alimentada pela cultura do exclusivismo familiar, a família como redoma acima e fora da sociedade, que beduínos e tuaregues fazem a festa e o arraial como se o problema, as soluções para os problemas, fosse uma coutada de partes crispadas e especializadas em artes guerreiras, com o objecto das escola, os alunos, a ver as bandas passarem e os exércitos marcharem. Mas são os pais que, ao ponto a que se chegou, podem (e devem) meter ordem na confusão, lembrando quem é servido e quem serve quem. Quererão tanto se incomodarem?  

 

Publicado por João Tunes às 00:53
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3 comentários:
De dissidentex a 3 de Março de 2008
É pena que o caro J. Tunes, tenha pela primeira vez que o li, descaído para demagogia.

As "confederações de país" que apoiam a política do governo e não são neutras ideologicamente representam quantos pais?
Qual é mesmo a representatividade delas?

Quantifica-se em quê?E como?

As "confederações de país" concorrem a eleições, agora?

Desde quando e à propósito de quê devem ser permitidos a associações de pais interferir directamente na gestão de uma escola?

Mas o caro J, Tunes pensou bem no que escreveu?
Já reparou que isto parece um edital do Bloco de esquerda?

Mas agora não há regras e mandam todos na escola ao mesmo tempo?

O que o caro J. Tunes deveria fazer era informar-se acerca do tempo e dinheiro que absurdamente irá ser gasto a incentivar um pseudo sistema de avaliação que não avalia nada nem ninguém em condições.

Além disso o seu apoio a Cavaco Silva neste post é "notável"...

Um tipo que permitiu que o senhor Roberto Carneiro fizesse o que fizesse na educação não tem "qualquer autoridade" moral ou outra para dar bitaites acerca de educação, mesmo quando colocado na posição de PR.

E como já uma vez falamos em privado volto -lhe a repetir que eu não sou do PCP.

Ainda sou de esquerda, mas já faltou mais tempo para me declarar neutro ideologicamente.

De facto começa-me a saltar a tampa para este apoio disparatado a uma política da educação conduzida por um primeiro ministro tiranete e executada por uma incompetente socióloga da mais famosa universidade de sociólogos cheios de teorias cá da terra.

Que apenas produzem teorias de chacha e tem ideias totalmente estúpidas acerca do que deve ser a educação.


Mas quando é que no PS se acabam com as brincadeiras dos sociólogos do iscte educativas e criam um sistema lógico, simples, barato vocacionado para ensinar e avaliar como deve ser?

Outra coisa caro J.Tines: se é verdade que o ministério da educação não é uma agência de empregos também é verdade que as universidades e o governo em geral e o PS em particular não deveriam andar a incentivar as pessoas a estudar e a tirarem cursos superiores, se depois elas não tem emprego nas áreas em que estudaram.

Pare-se de enganar as pessoas. com "Novas oportunidades" , conversa acerca de formação, incentivo a idas para a universidade etc.
De carlosfreitas a 3 de Março de 2008
Caro João:
O nosso P.R devia ter ouvido o casal Tofller a falar sobre o ensino. E mais não digo eu. Todo o nosso sistema educacional está decadente porque orientado para a criação de peças para alimentar a máquina. A liberdade criativa e de expressão não existe no ensino escolar. As campainhas e o relógio controlam a nossa vida escolar, no qual as iniciativas permitidas aos alunos são aquelas que estejam condicionadas pelos cânones. Recordo uma professora que me aconselhou a ir estudar para Inglaterra nos idos anos Setenta. Porque só lá poderia abrir as as asas. Infelizmente foi impossível. Quanto aos professores penso que na sua grande maioria são mensageiros deste sistema. Dai que o barulho seja apenas coincidente com legitimas aspirações profissionais e não passem disso mesmo. Nunca vi um professor a dar liberdade de expressão a um aluno a não ser aquelas que o sistema possa eventualmente permitir. Aliás continuo a acreditar no conflito de gerações entre alunos e professores. E querer misturar pais, ou encarregados de educação, na vida da escola é apenas confundir, que pais neste país podem ou possuem condições para acompanhar a vida escolar dos seus filhos? Que professores se preocupam com essa parte? Será necessário esta presença? Lembro-me bem das primeiras associações de pais neste país. Alguns anos depois de serem formadas estavam completamente dominadas pelos padres que nas escolas ministravam religião e moral. Que professores se preocuparam com esse facto? Quem denunciou este facto? Os professores? Não me parece. Para que servem afinal as associações de pais no ensino? Explique-se, mas não através da retórica habitual. Tente-se, pelo menos, ser mais objectivo e menos "confucionista". As manifestações apenas tem em conta a situação profissional, não objectivam a mudança do sistema. Ora o que se pretende é isso mesmo. Mudar o actual sistema de ensino todo. Acabar com o que existe. Começar no ano zero. Senão a palhaçada do ensino liberal continuará!
De João Tunes a 3 de Março de 2008
Caro Carlos,

Claro que medi, antes de editar, o potencial de contraditório que este post acarretava. Mas arrisquei na medida em que, modéstia à parte, julgo importante descentrar a crise da educação da sua componente corporativa que só pode ser fonte de contaminação da discussão com alimento farto oferecido às manipulações que não resistem a uma qualquer mesa farta em ofertas de bagunça.

Não tenho expectativas positivas sobre o associativismo dos pais e outros encarregados de educação. Fui a muitas "reuniões de pais" quando os meus filhos frequentaram o Secundário. Não houve uma de que não saisse com uma frustação acumulada. Em algumas, disparatei contra o "corporativismo paternal" e o seu aliado, o "corporativismo professoral". Noutras, nem para isso me apeteceu. Mas quando intervi e quando não o fiz, não alterei um miligrama ao status: os pais só queriam saber das notas, faltas e aproveitamentos dos seus ricos filhinhos, os professores satisfeitos com este reducionismo. Nunca, na mais de uma centena de reuniões em que participei, foi possível discutir o ensino, a escola, a aula. Além de que o abstencionismo, mesmo para só saber do seu querido filhinho, teve sempre altas taxas. Daqui que, logicamente, o associativismo saído deste tipo de participação (que nunca vi os professores tentarem dar-lhe a volta com sucesso e, pelo contrário, nunca perdendo oportunidade para se lhe "encostarem", despachando burocraticamente as reuniões e aproveitando as deixas para se lamuriarem das "faltas de condições" e etc. ), tenha de ser uma expressão agravada desta forma como a família é mitificada e vivida na nossa sociedade, ou seja quase tudo é pensado no quadro dos reflexos para dentro da redoma da família (quando é). E julgo que o meu texto não foi propriamente um canto de exaltação às posições paternais face à educação.

Mas tento que o meu desencanto com o associativismo de pais não se cristalize. Até porque se ele é o que é, o sindicalismo professoral não é melhor (mexe mas mexe no sentido preverso do corporativismo em defesa do "adquirido"). E a acção ministerial, idem, absolutamente desastrada. E admito, sem grandes expectativas é certo, que só a consciencialização dos pais pode ser a forma, já que o governo não o consegue fazer, de meter ordem na mesa e dizer à vaga histérica manipulada do corporativismo professoral que a escola serve para ensinar e não um local onde (só) existem postos de trabalho com assalariados a defender "direitos" e "regalias". Onde se exigem retornos de milhões em pagamento das aulas de substituição a serem pagas como horas extraordinárias sem se dizer que esses mesmos milhões são o indicativo quantificado do absentismo dos professores, em que do orçamento pago pelos que pagam os impostos sai os vencimentos intocados dos absentistas e as horas extraordinárias aos substituintes. Onde uma legião de professores sindicalistas profissionalizados recebe do mesmo orçamento não para melhorar a escola, não para melhorar o ensino, mas para reforçar o corporativismo resistente à reforma e à mudança.

Estaria mais tranquilo e expectante se partilhasse o seu programa radical de "Acabar com o que existe. Começar no ano zero.". Mas eu não passo de um reformista que tenta ser social-democrata. Restam-me, pois, as ilusões das quimeras.

Abraço.

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